quinta-feira, 17 de junho de 2010

"Não nascemos prontos"

Mário Sérgio Cortella e a geração da miogização...

Café Filosófico: Mário Sergio Cortella



VERBO SER

Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
Carlos Drummond de Andrade

sábado, 12 de junho de 2010

Falando em consumismo... como andam nossas crianças?

CRIANÇA, A ALMA DO NEGÓCIO












"As soluções para todos os problemas do mundo"

Tive oportunidade de assitir no sesctv este espetáculo de dança  que é maravilhoso para pensarmos a questão do consumismo, da Indústria Cultural, da alienação, escolha e angústia, dentre outros conceitos de Filósofos Contemporâneos como Marx, Sartre, os da escola de Frankfurt... melhor ainda reflete uma realidade que atualmente é mais ainda intensificada. Aqui vai o trailler...


Concepção: Stéphany Mattanó

Pesquisadores: Cândida Monte, Neto Machado, Stéphany Mattanó

Em cena: Neto Machado e Stéphany Mattanó

Produção: Cândida Monte

Iluminação: Fábia Guimarães

Técnico áudio e vídeo: Leo Fressato

Músicas / Trilha Sonora: The Carpenters - sing a song, Michael Jackson - Heal the world, Blur - Song n. 2, Gili Gabardi - hora arabesca.

Realização: Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial
SENSAÇÕES CONTRÁRIAS

Produção: Ellen Mello

Roteiro: Amadeu Alban, Jorge Alencar, Matheus Rocha

Elenco: Alici Iannitelli, Andrei Moura, Bruno Serravalle, David Iannitelli, Daniella de Aguiar, Daniel Moura, Fábio Osório Monteiro, Fernando Passos, Leda Muhana, Lia Lordelo, Lucas Valentim, Mab Cardoso, Márcio Nonato, Marcus Desidério, Olga Lamas, Paula Lice, Tiago Ribeiro, Vanessa Mello

Companhias produtoras: Santo Forte Imagem & Conteúdo, Dimenti Produções Culturais


E você... O que fez para salvar o mundo hoje?

Você acordou, escovou os dentes com a sua superpasta branqueadora, bebeu e comeu de uma forma light, e vai trabalhar com a sensação de dever cumprido. Paga impostos, e estes devem estar indo para o lugar certo. Sensação de tranquilidade sem gordura trans.
Quando começamos a pensar em Solução para todos os problemas do mundo estávamos cientes de que se tratava de uma incógnita para não ser resolvida, que seria como um grande vómito do que havíamos consumido sem precisar. Consumimos muito mais do que precisamos, e estamos longe de solucionarmos os nossos problemas básicos, pois estamos envolvidos demais com problemas periféricos à nossa real necessidade. Reflectimos sobre a violência no país sob a visão de algum jornalista, compramos opiniões fáceis para, enfim, sermos vulneráveis à oferta da sandália modelo verão.
Se este texto tivesse trilha sonora, ela seria cantada por Gal Costa: "Você diz a verdade e a verdade é seu dom de iludir". Se nós o transportamos a uma realidade paralela, nós temos o dom de iludir. Reflectimos o quanto é fácil vender verdades e o quão difícil é encontrar uma. (Será que ela existe?). Para salvar o mundo, você primeiro tem que salvar o seu. Criar sua ilusão. Descobrir a sua verdade.
Você é essencial para o equilíbrio do mundo, e não está lendo este release por acaso. Você foi chamado! Seu destino o enviou aqui porque você precisa experienciar isto. Mas o quê? Problemas precisam de soluções. E nós temos uma esperando por você! Venha e confira! Não perca a chance de garantir sua satisfação*.
*trocas, reclamações e sugestões pelo blog www.asolucaoestaaqui.blogspot.com

MEMORIAL DESCRITIVO
Aqui a composição do movimento do performer, vinda da influência das palavras no gesto e do estado perfomático na palavra, possibilita uma constante quebra da linha narrativa, ou linha de pensamento. Tal qual uma mudança brusca de um canal de televisão, onde o "controle remoto" do dançarino está buscando novas referências e formas de comunicação o tempo todo. O formato do slogan (causa e efeito) influencia os cortes de estados físicos, tal qual uma edição de vídeo. Numa acção que não necessariamente vá fluidamente prever uma acção seguinte. O título/merchandising "solução para todos os problemas do mundo", é uma forma de tradução de todos os slogans num único. E esta solução só é almejada porque somos imbuídos de um sentimento fatalista que o universo televisivo nos empurra, quando por ventura não "compramos" modas de pensamentos. Problemas precisam de soluções. E é necessário pagar por elas.

TRAJETÓRIA DO TRABALHO
O projecto, que foi aprovado para o Rumos Itaú Dança, é resultado das ideias fomentadas após a performance Quero Saber do Q. Estou Falando, apresentada em Março de 2005, uma intervenção no espaço do centro de Curitiba. A co-participação de um público não “iniciado” à linguagem contemporânea foi fundamental ao desenvolvimento de uma linguagem híbrida que circule pela periferia dos grandes laboratórios herméticos. A composição do movimento do performer, vinda da influência das palavras no gesto e do estado perfomático na palavra, possibilitam uma constante quebra da linha narrativa, ou linha de pensamento.
Como uma mudança brusca de um canal de televisão, o “controle remoto” do dançarino está buscando novas referências e formas de comunicação o tempo todo. O formato do slogan (causa e efeito), vai influenciar os cortes de estados físicos, tal qual uma edição de vídeo. Numa acção que não necessariamente prevê uma acção seguinte. O título/merchandising é a tradução de todos os slogans num único. Só queremos essa solução porque somos imbuídos de um sentimento fatalista que o universo televisivo nos empurra, quando por ventura não “compramos” modas de pensamentos. Problemas precisam de soluções, e é necessário pagar por elas. Por que então não apresentar as deficiências (problemas) do espetáculo, almejando uma solução coletiva?
Neto Machado e Stéphany Mattanó são graduados no curso de Artes Cênicas da Faculdade de Artes do Paraná. Em 2004, foram bolsistas da Casa Hoffmann- Centro de Estudos do Movimento, onde iniciaram uma pesquisa conjunta que se desenvolve até hoje. Fazem parte desta pesquisa os trabalhos: "Quero saber do Q. Estou falando!", "Metáforas (título provisório) " e "Solução Para Todos os Problemas do Mundo". Este último começou a ser criado no ano de 2005, passou por várias fases de pesquisa com mostras na Mostra de Teatro da Faculdade de Artes do Paraná, em Agosto de 2005, no evento Cabaré – no Teatro da Caixa em Curitiba, em Dezembro de 2005, e no Festival de Teatro de Curitiba no ano de 2006. No mesmo ano, o projecto foi contemplado com o financiamento do programa Rumos Itaú Cultural Dança 2006/2007 e apresentou a sua última fase em Março de 2007, integrando a Mostra Rumos Dança 2006/2007 no espaço Crisantempo, em São Paulo - SP. Neste mesmo ano, integrou a programação do Couve-Flor Convida e da Mostra de Dança da FAP, em Curitiba - PR, do 5o ENARTCI, em Ipatinga – MG, do 2o Múltipla Dança, em Florianópolis – SC, da Mostra Corumbá – Santuário Ecológico da Dança, em Corumbá – MS, e do Panorama de Dança, no Rio de Janeiro – RJ.
Neto Machado é artista independente da dança integrante do colectivo Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial, graduado em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná. Trabalhou dez anos com hip-hop e street dance, integrando a equipe brasileira de hip-hop, que competiu no campeonato mundial de hip-hop em Praga – República Tcheca, no ano de 2003. Foi bolsista da Casa Hoffmann – Centro de Estudos do Movimento, em Curitiba, no último semestre de 2004. Lá participou de workshops com Deborah Hay, Juan Domingues, Xavier Lê Roy, Thomas Lhemen, Simone Altherlone, Cássia Navas e Fabiana Britto. Como finalização da bolsa recebida pelo centro de estudos, iniciou uma pesquisa sobre corpo urbano com o trabalho “AGORA SE MOSTRA O QUE NÃO ESTÁ AQUI”. Com este, foi contemplado com o Prémio Caravana de Circulação Regional da FUNARTE, integrando o projecto “Mostra Tudo” (apresentado em Cascavel, Campo Mourão, Curitiba e Londrina - PR, Porto Alegre – RS e Belo Horizonte – MG), integrou o Festival de Dança de Araraquara 2005, o evento Fora do Eixo no SESC Ipiranga SP, a programação do SESC Ribeirão Preto 2005, o evento Corpo-Instalação no SESC Pompéia SP 2006 e foi contemplado com o edital “Artes na Cidade” da Prefeitura Municipal de Curitiba também em 2006. Dando continuidade à pesquisa, uniu-se à mais quatro artistas curitibanos e criou o projecto “Mobiliário Urbano”; no qual foca o corpo urbano unindo a linguagem do hip-hop ao pensamento contemporâneo, que foi Premiado com o “Prémio de Fomento à dança FUNARTE-PETROBRAS” ; apresentou-se no Museu Oscar Niemeyer e no Museu Paranaense em Curitiba e no Festival de Dança de Araraquara de 2006 - SP. Foi curador, juntamente com Cristiane Bouger e Gustavo Bitencourt, do Ciclo de Acções Performáticas - em Trânsito, Outubro e Novembro de 2005. Conjuntamente com Couve-Flor, aprovou em 2006 o projecto “Tronco e Membros” no “Prémio de Dança Klauss Vianna”; circulou por Curitiba – PR, Porto Alegre e São Leopoldo – RS e Belo Horizonte - MG. Junto com Stéphany Mattanó, desenvolve a pesquisa intitulada “Solução para todos os problemas do mundo”, que foca o universo televisivo como dramaturgia e a construção de uma narrativa de edições e mudanças bruscas de estados corporais. Com esta pesquisa, faz parte do programa Rumos Dança Itaú Cultural 2006/2007.

Stéphany Mattanó é formada em Direcção em Artes Cénicas pela Faculdade de Artes do Paraná (2006). Trabalha como atriz e cantora desde 1998. Foi bolsista da Casa Hoffmann - Centro de Estudos do Movimento (2004) onde lá iniciou seu exercício de estudo e criação em Dança e Arte Contemporânea (2003). Durante sua residência, vivenciou processos artísticos de artistas como Xavier Le Roy, Thomas Lehmen, Deborah Ray, La Ribot, Juan Domingues, Sarah Michelson, Simone Augtherlony, entre outros. Desde então, une-se ao artista Neto Machado para desenvolvimento deste pensamento (2004). Como resultado, surgem os trabalhos: São dois atos: acender e apagar (2004), Quero saber do Q. Estou falando! (2005) e finalmente Solução para todos os problemas do mundo (2005/2006/2007). Eles experienciam e fortalecem relação com os mais diversos tipos de público, desde o transeunte do centro da cidade de Curitiba em Quero Saber do Q. Estou Falando ao espectador de teatro e morador da região metropolitana da cidade em Solução Para Todos os Problemas do Mundo, que em sua primeira fase, contou com a participação de outros artistas em seu processo criativo. Paralelamente à pesquisa desenvolvida na Casa Hoffmann, trabalhou com produção, edição e roteiros de vídeo. Participou com Cristiane Bouger, do 13º Panorama RioArte de Dança- RJ (2004) numa colectiva que reuniu cinco trabalhos dos bolsistas da Casa Hoffmann. Recebeu juntamente ao colectivo Couve-flor Minicomunidade Artística Mundial, o prémio Klauss Vianna de fomento à Dança (Funarte-Petrobras), pelo projecto Couve-flor tronco e membros. Mais recentemente, foi contemplada com a bolsa de desenvolvimento de obras coreográficas pelo Rumos Dança - Itaú Cultural, edição 2006/2007 com o projeto Solução Para Todos os Problemas do Mundo.
Cândida Monte é directora e coreógrafa. Graduanda em Artes Cénicas pela Faculdade de Artes do Paraná. Trabalhou durante 15 anos com jazz e street dance, incluindo cursos na Broadway Dance Center em Nova Iorque (1996). Foi directora e coreógrafa do Grupo Street Soul durante oito anos. Em sua pesquisa como criadora participou de cursos com Cristopher Marchand (França), Berty Tobias (Espanha), Peter Dietz (Dinamarca). Como intérprete-criadora desenvolve as pesquisas Mobiliário Urbano (Prémio Funarte Petrobrás de Fomento à Dança 2005) e Canções que viram corpo, contemplado com o Prémio Funarte de Dança Klauss Vianna – 2006. Directora do espectáculo Descoisas, pré-coisas e no máximo coisas aprovado recentemente pela Caravana Funarte Petrobras de Circulação Nacional Teatro 2007. Em 2005, une-se aos artistas Neto Machado e Stephany Mattanó para desenvolver as pesquisas do espectáculo Eu quero saber do Q. estou falando e Solução para todos os problemas do mundo.

 [ blog ]

domingo, 6 de junho de 2010

Algumas imagens de VIK MUNIZ


 BIOGRAFIA

Vik Muniz

Vicente José de Oliveira Muniz (São Paulo SP 1961). Fotógrafo, desenhista, pintor e gravador.

Cursa publicidade na Fundação Armando Álvares Penteado - Faap, em São Paulo.

Em 1983, passa a viver e trabalhar em Nova York. Realiza, desde 1988, séries de trabalhos nas quais investiga, principalmente, temas relativos à memória, à percepção e à representação de imagens do mundo das artes e dos meios de comunicação. Faz uso de técnicas diversas e emprega nas obras, com freqüência, materiais inusitados como açúcar, chocolate líquido, doce de leite, catchup, gel para cabelo, lixo e poeira. Em 1988, realiza a série de desenhos The Best of Life, na qual reproduz, de memória, uma parte das famosas fotografias veiculadas pela revista americana Life. Convidado a expor os desenhos, o artista fotografa-os e dá às fotografias um tratamento de impressão em periódico, simulando um caráter de realidade às imagens originárias de sua memória. Com essa operação inaugura sua abordagem das questões envolvidas na circulação e retenção de imagens. Nas séries seguintes, que recebem, em geral, o nome do material utilizado - Imagens de Arame, Imagens de Terra, Imagens de Chocolate, Crianças de Açúcar etc. -, passa a empregar os elementos para recriar figuras referentes tanto ao universo da história da arte como do cotidiano. Seu processo de trabalho consiste em compor as imagens com os materiais, normalmente instáveis e perecíveis, sobre uma superfície e fotografá-las. Nessas séries, as fotografias, em edições limitadas, são o produto final do trabalho. Sua obra também se estende para outras experiências artísticas como a earthwork e as questões envolvidas no registro dessas criações.



Fonte: Itaú Cultural



O cara faz arte com comida e lixo!!!! Sem comentários...


TEXTO INTRODUTÓRIO FILOSOFIA. (atividade para o 1º ano)

O QUE É FILOSOFIA?

O que pretendo sob o título de Filosofia, como fim e campo das minhas elaborações, sei-o, naturalmente. E contudo não o sei... Qual o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a filosofia deixou de ser um enigma?... Só os pensadores secundários que, na verdade, não se podem chamar filósofos, estão contentes com as suas definições. (GHusserl)
A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo. (Merleau-Ponty)

                                             A história de Morte de Sócrates, de Louis David.

Sócrates foi condenado à morte acusado de corromper a mocidade e de desconhecer os deuses da Cidade. Enquanto aguardava a execução da sentença, discutia com seus discípulos a respeito da imortalidade da alma, sua condenação, defesa e morte é contada no belo diálogo de Platão, Apologia de Sócrates. Na prisão, o mestre discutia com os discípulos questões sobre a imortalidade da alma, relatadas no Fédon, também de Platão.

1, Introdução

Lembremos a figura de Sócrates. Viveu em Atenas no século V a.C. Dizem que era um homem feio, mas, quando falava, era dono de estranho fascínio. Procurado pelos jovens, passava horas discutindo na praça pública. Interpelava os transeuntes, dizendo-se ignorante, e fazia perguntas aos que julgavam entender determinado assunto. colocava o interlocutor em tal situação que não havia saída senão reconhecer a própria ignorância. Com isso Sócrates conseguiu rancorosos inimigos. Mas também alguns discípulos.

O interessante e que na segunda parte do seu método", que se seguia à destruição da ilusão do conhecimento, nem sempre se chegava de fato a uma conclusão efetiva. Sabemos disso não pelo próprio Sócrates, que nunca escreveu, mas por seus discípulos, sobretudo Platão e Xenofonte (ver o texto complementar II deste capítulo: "Ciência e missão de Sócrates").

Afinal, acusado de corromper a mocidade e desconhecer os deuses da Cidade, Sócrates foi condenado à morte.
A partir do que foi dito, podemos fazer algumas observações:
- Sócrates não está em seu "gabinete" contemplando "o próprio umbigo", e sim na praça pública.
- A relação estabelecida com as pessoas não é puramente intelectual nem alheia às emoções.
- Seu conhecimento não é livresco, mas vivo e em processo de se fazer; o conteúdo é a experiência cotidiana.
- Guia-se pelo princípio de que nada sabe e, desta perplexidade primeira, inicia a interrogação e o questionamento do que é familiar.
- Ao criticar o saber dogmático, não quer com isso dizer que ele próprio é detentor de um saber. Desperta as consciências adormecidas, mas não se considera um "farol" que ilumina; o caminho novo deve ser construído pela discussão, que é intersubjetiva, e pela busca criativa das soluções.
- Portanto, Sócrates é "subversivo" porque "desnorteia", perturba a "ordem" do conhecer e do fazer e, portanto, deve morrer.
Se fizermos um paralelo entre Sócrates e a própria filosofia, chegaremos à conclusão de que o lugar da filosofia é na praça pública, daí a sua vocação política.
Por ser alteradora da ordem, perturba, incomoda e é sempre "expulsa da cidade", mesmo quando as pessoas se riem do filósofo ou o consideram "inútil". Por via das dúvidas, o amordaçam, cortam o "mal" pela raiz e até retiram a filosofia dos cursos secundários... Mas há outras formas de "matar" a filosofia: quando a tornamos pensamento dogmático e discurso do poder, ou, ainda, quando cinicamente reabilitamos Sócrates morto, já que então se tornou inofensivo.

2. A atitude filosófica
Entre os antigos gregos predominava inicialmente a consciência mítica, cuja maior expressão se encontra nos poemas de Homero e Hesíodo, conforme já vimos no capítulo anterior.
Quando se dá a passagem da consciência mítica para a racional, aparecem os primeiros sábios, sophos, como se diz em grego. Um deles, chamado Pitágoras (séc.VI a.C.), que também era matemático, usou pela primeira vez a palavra filosofia (philossophia), que significa "amor à sabedoria". É bom observar que a própria etimologia mostra que a filosofia não é puro logos, pura razão: ela é a procura amorosa da verdade.
O trabalho filosófico é essencialmente teórico. Mas isso não significa que a filosofia esteja à margem do mundo, nem que ela constitua um corpo de doutrina ou um saber acabado, com determinado conteúdo, ou que seja um conjunto de conhecimentos estabelecidos de uma vez por todas.
Para Platão, a primeira virtude do filósofo é admirar-se. A admiração é a condição de onde deriva a capacidade de problematizar, o que marca a filosofia não como posse da verdade, mas como sua busca. Para Kant filósofo alemão do século XVIII, "não há filosofia que se possa aprender; só se pode aprender a filosofar". Isto significa que a filosofia é sobretudo uma atitude, um pensar permanente. É um conhecimento instituinte, no sentido de que questiona o saber instituido. Portanto, a teoria do filósofo não constituium saber abstrato, O próprio tecido do seu pensar é a trama dos acontecimentos, é o cotidiano. Por isso a filosofia se encontra no seio mesmo da história. No entanto, está mergulhada no mundo e fora dele: eis o paradoxo enfrentado pelo filósofo. Isso significa que o filósofo inicia a caminhada a partir dos problemas da existência, mas precisa se afastar deles para melhor compreendê-los, retornando depois a fim de dar subsídios para as mudanças.

3. A filosofia e a ciência

No seu começo, a ciência estava ligada à filosofia, sendo o filósofo o sábio que refletia sobre todos os setores da indagação humana. Nesse sentido, os filósofos Tales e Pitágoras eram também geômetras, e Aristóteles escreveu sobre física e astronomia.
Na ordem do saber estipulada por Platão, o homem começa a conhecer pela forma imperfeita da opinião (doxa), depois passa ao grau mais avançado da ciência (episteme), para só então ser capaz de atingir o nível mais alto do saber filosófico.
A partir do século XVII, a revolução metodológica iniciada por Galileu promove a autonomia da ciência e o seu desligamento da filosofia. Pouco a pouco, desse período até o século XX, aparecem as chamadas ciências particulares - física, astronomia, química, biologia, psicologia, sociologia etc. -, delimitando um campo especifico de pesquisa.
Na verdade, o que estava ocorrendo era o nascimento da ciência, como a entendemos modernamente. Com a fragmentação do saber, cada ciência se ocupa de um objeto especifico: à física cabe investigar o movimento dos corpos; à biologia, a natureza dos seres vivos; à química, as transformações substanciais, e assim por diante. Além da delimitação do objeto da ciência, se acrescenta o aperfeiçoamento do método científico, fundado sobretudo na experimentação e matematização.
O confronto dos resultados e a sua verificabilídade permitem uniformidade de conclusões e, portanto, certa objetividade. As afirmações da ciência são chamadas juízos de realidade, já que de uma forma ou de outra pretendem mostrar como os fenômenos ocorrem, quais as suas relações e, conseqüentemente, como prevê-los.
A primeira questão que nos assalta é imaginar o que resta à filosofia, se, ao longo do tempo, foi "esvaziada" do seu conteúdo pelo aparecimento das ciências particulares, tornadas independentes. Ainda mais que, no século XX, até as questões referentes ao homem passam a reivindicar o estatuto de cientificidade, representado pela procura do método das ciências humanas.
Ora, a filosofia continua tratando da mesma realidade apropriada pelas ciências. Apenas que as ciências se especializam e observam "recortes" do real, enquanto a filosofia jamais renuncia a considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. A visão da filosofia é de conjunto, ou seja, o problema tratado nunca é examinado de modo parcial, mas sempre sob a perspectiva de conjunto, relacionando cada aspecto com os outros do contexto em que está inserido.
Se a ciência tende cada vez mais para a especialização, a filosofia, no sentido inverso, quer superar a fragmentação do real, para que o homem seja resgatado na sua integridade e não sucumba à alienação do saber parcelado. Por isso a filosofia tem uma função de interdisciplinaridade, estabelecendo o elo entre as diversas formas do saber e do agir.
O trabalho da filosofia sob esse aspecto é importante e, sem negar o papel do especialista nem o valor da técnica que deriva desse saber, é preciso reconhecer que o saber especializado, sem a devida visão de conjunto, leva à exaltação do "discurso competente e às conseqüentes formas de dominação.
A filosofia ainda se distingue da ciência pelo modo como aborda seu objeto: em todos os setores do conhecimento e da ação, a filosofia está presente como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse conhecimento e desse agir. Então, por exemplo, se a física ou a química se denominam ciências e usam determinado método, não é da alçada do próprio físico ou do químico saber o que é ciência, o que distingue esse conhecimento de outros, o que é método, qual a sua validade, e assim por diante. Eles até podem dedicar-se a esses assuntos, mas, quando o fazem, passam a se colocar questões filosóficas. O mesmo acontece com o psicólogo ao usar, por exemplo, o conceito de homem livre.
Indagar sobre o que é a liberdade é fazer filosofia.
Mudando o enfoque: e se a questão for o comércio, ou a fábrica? A partir da análise das relações sociais resultantes da divisão do trabalho, podemos questionar sobre o conceito subjacente de homem que se encontra nas relações estabelecidas socialmente.
Portanto, a filosofia não faz juízos de realidade, como a ciência, mas juízos de valor. O filósofo parte da experiência vivida do homem trabalhando na linha de montagem, repetindo sempre o mesmo gesto, e vai além dessa constatação. Não vê apenas como é, mas como deveria ser. Julga o valor da ação, sai em busca do significado dela. Filosofar é dar sentido à experiência.

4. O processo do filosofar

A filosofia de vida
Como seria o caminhar do filósofo? Na medida em que somos seres racionais e sensíveis, estamos sempre dando sentido às coisas. Ao "filosofar" espontâneo do homem comum, costumamos chamar filosofia de vida.
No Capítulo 5 (Ideologia), quando nos referimos à passagem do senso comum para o bom senso, identificamos esse último à filosofia de vida. Enquanto o senso comum é fragmentário, incoerente, preso a preconceitos e dogmático, o bom senso supõe a capacidade de organização que dá certa autonomia ao homem que analisa sua experiência de vida cotidiana.
Como veremos adiante, enquanto o homem comum faz sua filosofia de vida, o filósofo propriamente dito é um especialista. Mas o especialista filósofo é diferente dos outros especialistas (como o físico ou o matemático). Por exemplo, quando observamos o estudioso de trigonometria, podemos bem pensar que grande parte dos homens não precisa se ocupar com esse assunto. No entanto, o mesmo não acontece com o objeto de estudo do filósofo, cujo interesse se estende a qualquer homem.
Segundo Gramsci, "não se pode pensar em nenhum homem que não seja também filósofo, que não pense, precisamente porque pensar é próprio do homem como tal". Isso significa que as questões filosóficas fazem parte do cotidiano de todos nós. Se o filósofo da educação investiga os fundamentos da pedagogia, o homem comum também se preocupa em escolher critérios - não importa que sejam pouco rigorosos - a fim de decidir sobre as medidas a serem tomadas na educação de seus filhos.
Estamos diante de diferentes filosofias de vida quando preferimos morar em casa e não em apartamento, quando deixamos o emprego bem pago por outro não tão bem remunerado, porém mais atraente, ou quando escolhemos o colégio onde estudar. Há valores que entram em jogo aí. Se escolho um "colégio fraco para passar de ano e ter tempo para passear", ou se, ao contrário, prefiro um "colégio forte para me preparar para o vestibular", ou, ainda dentro dessa última opção, "um bom colégio para ter um contato melhor com o mundo da cultura e abrir as possibilidades de autoconhecimento", é preciso reconhecer que existem critérios bem diferentes fundamentando tais decisões.
É por isso que consideramos tão importante a introdução do estudo de filosofia nas escolas de 2º grau. Não propriamente para preparar futuros prováveis filósofos especialistas, mas a fim de dar alguns subsídios para o aprimoramento da reflexão filosófica inerente a qualquer ser humano. Nesse sentido, o ensino da filosofia deveria se estender a todos os cursos e não só às classes de ciências humanas.

A filosofia propriamente dita

A filosofia propriamente dita tem condições de surgir no momento em que o pensar é posto em causa, tornando-se objeto de reflexão. Mas não qualquer reflexão. Como vimos, o homem comum, no cotidiano da vida, é levado a momentos de parada, a fim de retomar o significado de seus atos e pensamentos, e nessa hora é solicitado a refletir. Entretanto, ainda não é filosofia rigorosa o que ele faz.
Examinemos a palavra reflexão: quando vemos nossa imagem refletida no espelho, há um "desdobramento", pois estamos aqui e estamos lá; no reflexo da luz, ela vai até o espelho e retorna; reflectere, em latim, significa "fazer retroceder", "voltar atrás". Portanto, refletir é retomar o próprio pensamento, pensar o já pensado, voltar para si mesmo e colocar em questão o que já se conhece.
É ainda Gramsci quem diz: "o filósofo profissional ou técnico não só "pensa" com maior rigor lógico, com maior coerência, com maior espírito de sistema do que os outros homens, mas conhece toda a história do pensamento, sabe explicar o desenvolvimento que o pensamento teve até ele e é capaz de retomar os problemas a partir do ponto em que se encontram, depois de terem sofrido as mais variadas tentativas de solução."

Segundo o professor Dermeval Saviani, a reflexão filosófica é radical, rigorosa e de conjunto. Interpretaremos esses tópicos:
Radical: a palavra latina radix, radicis significa "raiz", e no sentido figurado, "fundamento, base". Portanto, a filosofia é radical não no sentido corriqueiro de ser inflexível (nesse caso seria a antifilosofia!), mas enquanto busca explicitar os conceitos fundamentais usados em todos os campos do pensar e do agir. Por exemplo, a filosofia das ciências examina os pressupostos do saber científico, do mesmo modo que, diante da decisão de um vereador em aprovar determinado projeto, a filosofia política investiga as "raízes" (os princípios políticos) que orientam sua ação.
Rigorosa: enquanto a "filosofia de vida" não leva as conclusões até as últimas conseqüências e nem sempre é capaz de examinar os fundamentos delas, o filósofo deve dispor de um método claramente explicitado a fim de proceder com rigor, garantindo a coerência e o exercício da crítica. Mesmo porque o filósofo não faz afirmações apenas, precisa justificá-las com argumentos. Para tanto usa de linguagem rigorosa, que evita as ambiguidades das expressões cotidianas e lhe permite discutir com outros filósofos a partir de conceitos claramente definidos. É por isso que o filósofo sempre "inventa conceitos", ou cria expressões novas (quanto fizeram isto os gregos)) ou altera e especifica o sentido de palavras usuais.
De conjunto: enquanto as ciências são particulares, porque abordam "recortes" da realidade e se distinguem de outras formas de conhecimento, e a ação humana se expressa nas mais variadas formas (técnica, magia, arte, política etc.), a filosofia é globalizante, porque examina os problemas sob a perspectiva de conjunto, relacionando os diversos aspectos entre si. Nesse sentido, além de considerarmos que o objeto da filosofia é tudo (porque nada escapa a seu interesse), completamos que a filosofia visa ao todo, à totalidade. Daí a função de interdisciplinaridade da filosofia, estabelecendo o elo entre as diversas formas de saber e agir humanos.
A maneira pela qual se faz rigorosamente a reflexão filosófica varia conforme a orientação do filósofo e as tendências históricas decorrentes da situação vivida pelos homens em sua ação sobre o mundo.

Qual é a "utilidade" da filosofia?
Para responder à questão, precisamos saber primeiro o que entendemos por utilidade. Eis o primeiro impasse. Vivemos num mundo em que a visão das pessoas está marcada pela busca dos resultados imediatos do conhecimento. Então, é considerada importante a pesquisa do biólogo na busca a cura do câncer; ou o estudo de matemática no 2º grau porque "entra no vestibular"; e constantemente o estudante se pergunta: "Para que vou estudar isto, se não usarei na minha profissão?" Seguindo essa linha de pensamento, a filosofia seria realmente "inútil": não serve para nenhuma alteração imediata de ordem pragmática. Neste ponto, ela é semelhante à arte. Se perguntarmos qual é a finalidade de uma obra de arte, veremos que ela tem um fim em si mesma e, nesse sentido, é "inútil".
Entretanto, não ter utilidade imediata não significa ser desnecessário. A filosofia é necessária.
Onde está a necessidade da filosofia?
Está no fato de que, por meio da reflexão (aquele desdobrar-se, lembra-se?), a filosofia permite ao homem ter mais de uma dimensão, além da que é dada pelo agir imediato no qual o "homem prático" se encontra mergulhado. É a filosofia que dá o distanciamento para a avaliação dos fundamentos dos atos humanos e dos fins a que eles se destinam; reúne o pensamento fragmentado da ciência e o reconstrói na sua unidade; retoma a ação pulverizada no tempo e procura compreendê-la.
Portanto, a filosofia é a possibilidade da transcendência humana, ou seja, a capacidade que só o homem tem de superar a situação dada e não-escolhida. Pela transcendência, o homem surge como ser de projeto, capaz de liberdade e de construir o seu destino.
O distanciamento é justamente o que provoca a aproximação maior do homem com a vida. Whitehead, lógico e matemático britânico contemporâneo, disse que "a função da razão é promover a arte da vida". A filosofia recupera o processo perdido no imobilismo das coisas feitas (mortas porque já ultrapassadas). A filosofia impede a estagnação.
Por isso, o filosofar sempre se confronta com o poder, e sua investigação não fica alheia à ética e à política. É o que afirma o historiador da filosofia François Châtelet: "Desde que há Estado - da cidade grega às burocracias contemporâneas -, a idéia de verdade sempre se voltou, finalmente, para o lado dos poderes (ou foi recuperada por eles, como testemunha, por exemplo, a evolução do pensamento francês do século XVIII ao século XIX). Por conseguinte, a contribuição especifica da filosofia que se coloca ao serviço da liberdade, de todas as liberdades, é a de minar, pelas análises que ela opera e pelas ações que desencadeia, as instituições repressivas e simplificadoras: quer se trate da ciência, do ensino, da tradução, da pesquisa, da medicina, da família, da polícia, do fato carcerário, dos sistemas burocráticos, o que importa é fazer aparecer a máscara, deslocá-la, arrancá-la... "
A filosofia é, portanto, a crítica da ideologia, enquanto forma ilusória de conhecimento que visa a manutenção de privilégios. Atentando para a etimologia do vocábulo grego correspondente à verdade (a-létheia, alethetiein, 'desnudar"), vemos que a verdade é pôr a nu aquilo que estava escondido, e aí reside a vocação do filósofo: o desvelamento do que está encoberto pelo costume, pelo convencional, pelo poder.
Finalmente, a filosofia exige coragem. Filosofar não é um exercício puramente intelectual. Descobrir a verdade é ter a coragem de enfrentar as formas estagnadas do poder que tentam manter o status quo. é aceitar o desafio da mudança. Saber para transformar.
Lembremos que Sócrates foi aquele que enfrentou com coragem o desafio máximo da morte.


6. Filosofia: nem dogmatismo, nem ceticismo
Vimos, no Capítulo 3 (O que é conhecimento), que o ceticismo é uma posição filosófica que conclui pela impossibilidade do conhecimento, quer na forma moderada de suspensão provisória do juízo, quer na radical recusa em formular qualquer conclusão.
No outro extremo, existe o dogmatismo, segundo o qual o filósofo se considera de posse de certezas e de verdades absolutas e indubitáveis. Enquanto o dogmático se apega à certeza de uma doutrina, o cético conclui pela impossibilidade de toda certeza e, nesse sentido, considera inútil a busca que não leva a lugar nenhum.

Comparando as duas posições antagônicas, podemos perceber que elas têm em comum a visão imobilista do mundo: o dogmático atinge uma certeza e nela permanece; o cético anseia pela certeza e decide que ela é inalcançável.
Mas a filosofia é movimento, pois o mundo é movimento. A certeza e sua negação são apenas dois momentos (a tese e a antítese) que serão superados pela síntese, a qual, por sua vez, será nova tese, e assim por diante. A filosofia é a procura da verdade, não a sua posse, como disse Iaspers, filósofo alemão contemporâneo, concluindo que "fazer filosofia é estar a caminho; as perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta".

Exercícios


1. Qual é a relação inicial da ciência com a filosofia e quando se dá a separação delas? Quais são as principais diferenças entre ciência e filosofia?

2. O que é filosofia de vida? Como ela se distingue da filosofia do especialista?

3. O que caracteriza a reflexão filosófica propriamente dita?

4. O que significa dizer que a filosofia é inútil" mas necessária?

5. Qual é a relação da filosofia com o poder?

6. "Pois é impossível negar que a filosofia coxeia. Habita a história e a vida, mas quereria instalar-se no seu centro, naquele ponto em que são advento, sentido nascente. Sente-se mal no já feito. Sendo expressão, só se realiza renunciando a coincidir com aquilo que exprime e afastando-se dele para lhe captar o sentido. É a utopia de uma posse à distância." (Merleau-Ponty)

Explique o que Merleau-Ponty quer dizer com: "só se realiza renunciando a coincidir com aquilo que exprime".



BIBLIOGRAFIA

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires (org.). Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1990.