quinta-feira, 6 de março de 2014
Por
Silvio Costa
Neste momento em que as mulheres, mesmo que ainda de forma insuficiente, passam
a desempenhar importantes cargos em diversos níveis – como professoras,
cientistas, parlamentares, ministras, etc. – e avançar rumo a ocupação de
significativo espaço público, é oportuno destacar a participação das mulheres
revolucionárias, denominadas pejorativamente pelas forças reacionárias e
aristocrático-burguesas, de les pétroleuses, ou seja, as incendiárias.
A presença e a participação feminina nas lutas políticas e revolucionárias
na França e outros países é uma constante, inclusive, o símbolo da República
francesa é representado por uma mulher.
Em que pese a destacada participação das mulheres nos principais acontecimentos
de nossa história, principalmente a partir da denominada história moderna, até
algumas décadas atrás o envolvimento feminino nas lutas políticas
revolucionárias não era estudado.
As mulheres estiveram presentes, mas relegadas e marginalizadas. Esta realidade
que está sendo mudada nas últimas décadas pelo esforço destacado das
feministas, que ousam investigar e comprovam que as mulheres, cerca de 50% –
possivelmente com pequenas diferenças em um ou outro período – da população em
toda a história da humanidade, estiveram participando dos fatos históricos,
onde o destaque fica com as mulheres trabalhadoras, que desafiando os
preconceitos e os limites culturais – inclusive contra homens revolucionários
–, conquistaram seus direitos, não somente como parte integrante da parcela
social majoritária, explorada e oprimida, mas também de seus direitos
específicos enquanto mulheres.
Em todas as revoluções burguesas e proletárias dos séculos XVIII, XIX e XX, “as
mulheres com estudos utilizaram as oportunidades que se lhes ofereceram de
defender reivindicações sociais, econômicas e políticas radicais, sobretudo
aquelas destinadas a transformar o lugar que ocupam as mulheres na família e na
economia, em concreto mediante a exigência de direitos e igualdade legais. Sem
dúvida, as mulheres da classe baixa também participaram, sobretudo quando os
problemas econômicos ameaçavam seu nível de vida e o de suas famílias. Com
frequência estas mulheres conectaram estas questões com as lutas pelo poder e
as mudanças políticas radicais que tinham lugar e fizeram pleno uso da oportunidade
de pressionar a favor de reformas legais e constitucionais. (...) Sem dúvida,
em linhas gerais, os homens revolucionários não parece que hajam tido muito em
conta os direitos da mulher(...) muitos homens temiam ao que parece, que as
mulheres participassem em atividades políticas. Como consequência, os políticos
e historiadores homens ignoraram as mulheres revolucionárias ou as pintaram
como amazonas e feras, enquanto que muitos homens radicais têm-se mostrado às
vezes pouco dispostos a respaldar os direitos da mulher, por receio de parecer
insensatos aos olhos dos demais homens.” (Todd, 2000: 128).
As mulheres na revolução de 1789
Já no ano de 1789 e posteriores, as mulheres participam de forma destacada nas
lutas revolucionárias. Como um dos setores mais sensíveis às conseqüências das
crises, assume papel de destaque nas mobilizações contra a escassez, a fome, a
irregularidade no abastecimento, mas não ficam somente nestas lutas, começam a
formular e apresentar suas reivindicações específicas, de forma cada vez mais
destacada. Criam associações destinadas a exigir a defesa dos direitos das
mulheres, como por exemplo a Sociedade de Mulheres Republicanas
Revolucionárias, fundada em fevereiro de 1793, por Claire Lacombe e Pauline
Léon , responsável por diversas conquistas revolucionário-populares.
Algumas feministas conseguem destacar-se na defesa de seus direitos e por
colocar suas reivindicações específicas como parte das plataformas políticas
mais gerais. Entre estas se destacam Marie-Jeanne Roland, conhecida como
“Manon” Roland, discípula de Rousseau e célebre como a filósofa republicana; a
holandesa Etta Palm d´Aelders; Olympe de Gouges, que redigiu uma Declaração dos
Direitos da Mulher; Tréroigne de Méricourt, que se destacou no grupo Amigos da
Constituição em 1790. Deve-se anotar que a participação das mulheres neste
momento é identificada, pelo próprio caráter e pelo conteúdo de classe, com a
perspectiva burguesa e não avançando em suas reivindicações especificas, o que
só surgirá posteriormente.
A primavera dos povos em 1848
Em geral a participação feminina nas revoluções de 1848, quando da primavera
dos povos, manifesta um conteúdo um pouco diferente da fase anterior, pois é
destacada a presença das trabalhadoras e o surgimento das ideias socialistas e
comunistas, que defendem a igualdade para as mulheres e a associam com a
emancipação de classe, com a superação da ordem existente.
A Revolução de 1848, na França, principalmente em Paris, a exemplo de outros
períodos revolucionários, destaca-se como o momento em que aconteceu o maior
número de manifestações proletárias e onde as mulheres participaram com
destaque, inclusive de forma independente, na organização de greves e
associações gremiais, e reivindicaram que o Plano Nacional de Trabalho não seja
excludente às mulheres e restrito a minorar só as consequências do desemprego
masculino. Inclusive conseguem que representantes dos grêmios de mulheres façam
parte da Comissão Luxemburgo, responsável por analisar e apresentar ao governo
provisório, sugestões relativas as condições de vida dos trabalhadores e sobre
os salários.
Entre as organizações específicas fundadas neste período destaca-se as
Vésuviennes, que ao lutar pelas reivindicações femininas, organizava grupos de
mulheres para treinamentos com conteúdo militar; o Clube para a Emancipação das
Mulheres; a União das Mulheres e a Associação Fraternal de Democratas de Ambos
os Sexos reivindicavam a igualdade de direitos para as mulheres, o direito ao
divórcio e de voto. Registra-se, também, que muitas mulheres assistiram as
reuniões da Sociedade Republicana Central dirigida por Blanqui e que, em
algumas cidades das províncias, surgiram clubes femininos. (Todd, 2000: 135).
“Os defensores dos direitos da mulher também imprimiram milhares de cartazes,
boletins e conclamações, além de fundar revistas e jornais, o mais importante
deles foi La Voix des Femmes (A Voz das Mulheres), defendia o divórcio e
creches para os filhos das mulheres trabalhadoras. Fora de Paris, seus esforços
tendiam a limitar-se a exortar a seus maridos para que passassem à ação(...),
sem dúvida, a medida em que o processo de politização característico das
revoluções de 1848 se estendia, a participação política das mulheres tendia a
aumentar. Algumas lutaram nas barricadas durante a revolução de fevereiro, mas
foram muitas mais as que participaram na acentuada luta de rua de junho de
1848. As mulheres de Paris lutaram com tanta decisão como os homens e
constituíram uma pequena porcentagem do total de mortos, feridos ou feitos prisioneiros.
Ainda que algumas se limitaram a carregar e limpar as armas, outras dirigiram
grupos de combate integrados só por homens. A atividade política das mulheres
se restringiram depois que se reprimiu o levante dos “dias de junho”, mas
muitas haviam aumentado sua consciência social e política.” (Todd, 2000: 135).
Muitas das ativistas femininas, ou melhor, feministas, lutaram não só nos
acontecimentos da Revolução de 1848 na França, mas tiveram papel político
importante nas lutas feminista posteriores, entre as quais se destacam: Eugénie
Niboyet, responsável pela publicação do periódico parisiense Voz das Mulheres,
dedicado à defesa dos direitos específicos das mulheres; Jeanne Déroin,
fundadora do Clube para a Emancipação das Mulheres; Joséphine Courbois,
conhecida como a rainha das barricadas, por sua atuação destacada nas
barricadas em Lyón, e despois em 1871, em continuidade a sua militância, lutou
nas barricadas da Comuna de Paris; Amadine Lucile Aurore Dudevant, conhecida
como George Sand, intelectual e escritora conhecida por suas idéias
republicanas e revolucionárias.
Em outros países da Europa, a presença e participação feminina nas lutas
revolucionárias de 1848 não alcançaram o nível e a intensidade que teve na
França. No Império Austro-Húngaro, em Viena e Praga, as mulheres, mesmo que não
haja registros de que apresentaram reivindicações específicas, se reuniam para
tratar de assuntos políticos e publicar periódicos. Há registros de que em
Praga, em junho de 1848, participaram das lutas, e em Viena, em outubro,
auxiliaram na construção de barricadas. Na Hungria se chegou a formar dois
regimentos femininos e algumas mulheres, disfarçadas de homens, alistaram-se
nas tropas, inclusive há o caso de duas atingirem o posto de capitão antes de
serem descobertas. A existência de organizações femininas se restringe
praticamente a Praga e Viena, e se dedicavam a apoiar aos refugiados políticos
e insurgentes prisioneiros. O Clube das Mulheres Eslavas, organizado em Praga,
se dedicava à educação das mulheres em sua língua pátria.
Nos Estados alemães, na cidade têxtil de Elberfeld, as mulheres participaram no
31 de março de 1848 de uma manifestação em apoio aos trabalhadores e pela
unificação da Alemanha, quando propuseram que se usasse somente a roupa confeccionada
no país. Em outras localidades e eventos a participação se limitou a atividades
de apoio. Os homens em seus clubes políticos, inclusive os burgueses radicais,
com exceção dos socialistas e comunistas, não permitiam a participação
feminina. Em Berlim, o pequeno Congresso dos Trabalhadores, que congregava 31
organizações, apoiava a reivindicação de igualdade para as mulheres, e
registra-se também, a existência do Clube Democrático de Mulheres. Entre as
mulheres se destacam as feministas Matilde Franziska Anneke e Luise
Otto-Peters, responsáveis pela publicação de periódicos.
Nos Estados Italianos antes de 1848, em que pese certa presença das mulheres e
de suas idéias nacionalistas e liberais, sua participação se limitou com
algumas poucas exceções, a apoiar as atividades revolucionárias dos homens. Em
geral, as mulheres italianas, neste período, não foram além do apoio a seus
esposos e familiares. O destaque nos Estados Italianos é da brasileira Anita
Garibaldi, considerada a verdadeira heroina italiana, por sua participação ao
lado de Garibaldi, seu esposo, nas lutas pela unificação da Itália.
As mulheres na Comuna de Paris de 1871
Mas, de todas essas lutas revolucionárias nas que as mulheres tiveram
participação, o grande destaque foi na Comuna de Paris, seja por seu conteúdo
político ou seja pelo número e intensidade.
Em 1871, os trabalhadores padeciam em precárias condições de vida e as
trabalhadoras, em que pese a participação das mulheres nas jornadas
revolucionárias em quase um século de luta de classes, padeciam de dupla
exploração e discriminação, enquanto mulheres e trabalhadoras, e estavam
excluídas de direitos políticos básicos, como por exemplo o direito ao voto.
Um exemplo das discriminações as quais estavam submetidas as mulheres é explicitado
pelo código civil francês, modelo de código civil burguês e seguido em
diferentes países, “foi um dos documentos mais reacionários no que diz respeito
à questão da mulher. A despojava de todo e qualquer direito, submetendo-a
inteiramente ao pai ou ao marido, não reconhecia a união de fato e só
reconhecia aos filhos do casamento oficial.” (Martins, 1991: 47-48). Para
muitas mulheres, a Comuna se apresenta não só como uma possibilidade de
conquistar uma República social, mas de conquistar uma República social com
igualdade de direitos para as mulheres.
No dia 18 de março de 1871, considerado o dia do deflagrar da Comuna, foram as
mulheres as primeiras a dar o alarme e revelar a intenção das tropas a mando do
governo de Thiers, de retirar os canhões das colinas de Montmartre e desarmar
Paris. As mulheres se puseram diante das tropas governamentais e impediram com
seus corpos que os canhões fossem retirados e incitaram a reação do
proletariado e da Guarda Nacional à defesa de Paris.
“Em concreto, as mulheres trabalharam em fábricas de armas e munições, fizeram
uniformes e dotaram de pessoal aos hospitais improvisados, além de ajudar a
construir barricadas. Muitas delas foram destinadas aos batalhões da Guarda
Nacional como cantinières, onde se encarregavam de proporcionar alimentos e
bebida aos soldados das barricadas, além dos primeiros auxílios básicos. Na
teoria, eram quatro as cantinières destinadas a cada batalhão, mas na prática
ocorria ser muito mais. Por outra parte, abundantes dados mostram que muitas
mulheres recolheram as armas de homens mortos ou feridos e lutaram com grande
determinação e valentia. Também houve um batalhão composto por 120 mulheres da
Guarda Nacional que lutou com valentia nas barricadas durante a última semana
da Comuna. Obrigadas a retirar-se da barricada da Place Blanche, se
transladaram à Place Pigalle e lutaram até que as cercaram. Algumas escaparam
ao Boulevard Magenta, onde todas morreram na luta final.” (Todd, 2000: 140).
As mulheres desenvolveram uma série de atividades e mais destacadamente as
destinadas à assistência aos feridos e enfermos, à educação em geral e ao
abastecimento. Mesmo que não houvesse movimentos e organizações feministas como
conhecemos hoje, e não tenha sido elaborado um programa só com reivindicações
específicas, as revolucionárias criaram cooperativas de trabalhadores e
sindicatos específicos para as mulheres. Participaram ativamente de clubes
políticos, reivindicando a igualdade de direitos, como por exemplo o Clube dos
Proletários e o Clube dos Livrepensadores.
Criaram organizações próprias como o Comitê de Mulheres para a Vigilância, o
Clube da Revolução Social, o Clube da Revolução e o que conseguiu destacar-se
entre eles foi a União de Mulheres para a Defesa de Paris e a Ajuda aos feridos
fundada por membros da Internacional, influenciada pelas idéias de Marx.
Publicaram-se periódicos destinados às mulheres: Le Journal des Citoyennes de
la Comuna (Jornal das Cidadãs da Comuna) e La Sociale (A Sociedade).
As revolucionárias na Comuna adquiriam importância não só como lutadoras das
causas sociais, mas como feministas, que pertenciam à classe operária ou aos
setores radicais dos setores médios, identificadas com as lutas pela conquista
de uma República social com igualdade de direitos. Entre as mulheres neste
período, a que ficou mais conhecida foi a ativista socialista Louise Michel,
fundadora da União de Mulheres para a Defesa de París e de apoio aos Feridos e
membro da I Internacional.
Destacam-se ainda: Elizabeth Dmitrieff, militante socialista e feminista; André
Léo, responsável pela publicação do periódico La Sociale; Beatriz Excoffon,
Sophie Poirier y Anna Jaclard, militantes do Comitê de Mulheres para a
Vigilância; Marie-Catherine Rigissart, que comandou um batalhão de mulheres;
Adélaide Valentin, que chegou ao posto de coronel, y Louise Neckebecker,
capitão de companhia; Nathalie Lemel, Aline Jacquier, Marcelle Tinayre, Otavine
Tardif y Blanche Lefebvre, fundadoras da União de Mulheres, sendo que a última
foi executada sumariamente pelas tropas da reação, e Joséphine Courbois, que
havia lutado em 1848 nas barricadas de Lyón, onde era conhecida como a rainha
das barricadas. Se deve citar ainda a Jeanne Hachette, Victorine Louvert,
Marguerite Lachaise, Josephine Marchais, Leontine Suétens y Natalie Lemel.
Depois da derrota militar da Comuna de Paris de 1871, as forças conservadoras e
reacionárias, na impossibilidade de eliminar este exemplo heroico que demonstra
a possibilidade de destruição da ordem burguesa, disseminam uma grande campanha
de calúnias contra o proletariado, as mulheres revolucionárias, os socialistas,
os comunistas e em particular contra a I Internacional.
“Algumas fontes fazem referência às incendiárias, as pétroleuses, que atearam
fogo aos edifícios públicos durante a Semaine Sanglante final da Comuna. Estas
histórias parecem ser fruto do alarmismo antifeminista de inspiração
governamental e a maioria dos correspondentes estrangeiros presentes não
acreditaram. Não obstante, as tropas governamentais executaram de maneira
sumária a centenas de mulheres, e inclusive lhes batendo até a morte, porque
eram suspeitas de ser pétroleuses. Contudo, apesar do fato de que mais tarde se
acusou a muitas mais mulheres de ser incendiárias, os conselheiros de guerra
não encontraram nenhuma culpável desse delito. Sem dúvida, há provas que
indicam que, durante os últimos dias, as mulheres aguentaram mais tempo detrás
das barricadas que os homens. No total, foram submetidas 1.051 mulheres a
conselhos de guerra, realizados entre agosto de 1871 e janeiro de 1873: oito
foram sentenciadas a morte; nove a trabalho forçados e 36 a serem deportadas à
colônias penitenciárias.” (Todd, 2000: 140-141).
A Comuna de Paris e a destacada participação feminina em atividades consideram
até então, como masculinas, reafirma a força revolucionária da mulher, já
desenhada a partir da revolução de 1789, e que se transformou em uma onda
histórica mundial indestrutível. As mulheres, a partir da Comuna de Paris
passam a contribuir com grande parte da força que coloca em movimento a máquina
da revolução proletária, indicando que elas não mais deixariam a cena da luta
dos explorados e oprimidos por uma nova sociedade de progresso social e de
liberdade.
Madrid, inverno de 2001.
Bibliografia
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- Saes, Décio (1994): Estado e Democracia: ensaios teóricos. Campinas:
IFCH/Unicamp. (Col. Trajetória 1)
- Todd, Allan (2000): Las revoluciones. 1789-1917. Madrid: Alianza.
* Artigo publicado originalmente na revista Presença da Mulher.
Postado
por Miro às 12:01