Liberdade dos antigos:
Consistia em exercer coletiva, mas diretamente, várias partes da soberania inteira, em deliberar na praça pública sobre a guerra e a paz, em concluir com os estrangeiros tratados de aliança, em votar as leis, em pronunciar julgamentos, em examinar as contas, os atos, a gestão dos magistrados; em fazê-los comparecer diante de todo um povo, em acusá-los de delitos, em condená-los ou em absolvê-los; mas, ao mesmo tempo em que consistia nisso o que os antigos chamavam liberdade, eles admitiam, como compatível com ela, a submissão completa do indivíduo à autoridade do todo. Não encontrareis entre eles quase nenhum dos privilégios que vemos fazer parte da liberdade entre os modernos. Todas as ações privadas estão sujeitas a severa vigilância.
Liberdade dos modernos:
É para cada um o direito de não se submeter senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos. É para cada um o direito de dizer sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercêlo; de dispor de sua propriedade, até de abusar dela; de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus motivos ou de seus passos. É para cada um o direito de reunir-se a outros indivíduos, seja para discutir sobre seus interesses, seja para professar o culto que ele e seus associados preferem, seja simplesmente para preencher seus dias e suas horas de maneira mais condizente com suas inclinações, com suas fantasias. Enfim, é o direito, para cada um, de influir sobre a administração do governo, seja pela nomeação de todos ou de certos funcionários, seja por representações, petições, reivindicações, às quais a autoridade é mais ou menos obrigada a levar em consideração. (CONSTANT, De la liberte chez lês modernes. p. 495.)
Marx e a Liberdade
Marx foi um defensor das liberdades políticas e individuais, mas, obviamente, não o foi pela via do liberalismo clássico e do seu conceito de liberdade − dos quais sempre foi crítico contundente −, mas sim pela idéia de emancipação humana, de liberdade como não-dominação e não limita os fins da vida política à instrumentalidade jurídica da proteção (formal) da liberdade individual. A liberdade humana, tal qual propõe Marx, incorpora o pensamento, a ação e a produção. É a liberdade que, sendo do indivíduo enquanto ser-comunitário efetiva-se na comunidade política mediante a luta contra os mecanismos de dominação e alienação da liberdade humana, aderente à condição do indivíduo como ser social. A restrição que Marx faz ao Estado de direito burguês, enquanto abstração da condição básica da sociabilidade humana atrelada à imediatidade do viver-junto dos homens, é que este Estado acaba, por força da sua estrutura burocratizante e da redução do político aos aspectos jurídicos, representando os interesses de uma parcela da sociedade e, nessa medida, é impotente para garantir os fins maiores e universais da coletividade. Pelo contrário, ele se constitui em fator de alienação e de dominação, mediante a “astúcia” política da representação ideológica de interesses particulares.
Para Marx, não há liberdade sob a dominação das forças egoístas da sociedade civil, ou do Estado que incorpora simbolicamente os indivíduos, mas que na verdade os exclui da vida política subtraindo-lhes a soberania. A superação dessa condição de perda da liberdade pela dominação é chamada, por Marx, de emancipação humana.
Se considerarmos que a sociedade contemporânea encontra-se muito distante dos ideais de liberdade individual e política que se propagam quase que tão-somente através de discursos edificantes que não encontram correspondência na realidade, justamente porque a sociedade permanece submetida às estruturas de dominação do capitalismo e do formalismo arbitrário do estado de direito burguês, podemos concluir que, as categorias de análise de Marx − tanto dos textos da juventude como dos da maturidade − se interpretadas de forma não ortodoxa, podem oferecer alternativas muito interessantes à filosofia política.
Marx e a Emancipação Humana
Considerando as formas de alienação e dominação religiosa, política e econômica, pode-se dizer que a questão nuclear da filosofia política do Marx é a emancipação humana e que a consolidação dessa matriz do seu pensamento se dá através de uma novidade − a exigência de que tal busca aconteça, concomitantemente, no plano das criações conceituais e da ação política transformadora.
Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx expressa com clareza a sua idéia de que a emancipação humana se daria pelo reencontro do homem com ele mesmo. A superação da alienação passa, necessariamente, pelo rompimento dos elos de dominação do sistema capitalista, da propriedade privada e pela instalação do comunismo. “O comunismo é a supra-sunção (Aufhebung) positiva da propriedade privada, enquanto estranhamento-de-si (Selbstentfremdung) humano, e por isso enquanto apropriação efetiva da essência humana pelo e para o homem”. (MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. p.105) A questão de Marx é que a alienação produzida pela propriedade privada na ideologia e nas formas de dominação do capitalismo separa o homem, enquanto indivíduo, da sua condição e consciência genérica e, portanto, da sua capacidade de construir uma vida política. Ora, sem a ação política, a liberdade individual torna-se uma impossibilidade ou, no máximo, toma a forma de uma ilusão.
A emancipação só pode ser concebida em termos da conquista da igualdade. Nesse sentido, a liberdade política significa poder político do povo, em sua oposição ao poder do Estado de direito burguês. Marx faz a crítica ao Estado, sobretudo no que se refere ao formalismo jurídico. A igualdade é garantida na lei, mas a lei não se efetiva na prática. A objeção de Marx é que esse formalismo estatal que se apresenta, aliás, como meio de emancipação política, não passa de uma ilusão, porque mantém o indivíduo alienado, porque não promove a esfera realmente pública e a cidadania.
- Compare a idéia de emancipação defendida por Marx com a idéia de liberdade Antiga e Moderna (liberalismo). - Reflita sobre o como esta liberdade ou emancipação acontece ou não atualmente.
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