sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Carta a um futuro professor.


Olá!

            Vejo que acabas de fazer uma escolha bastante importante, ser professor é uma tarefa árdua e complexa, lidar com os diversos tipos de relações humanas, valores, ainda influenciando de forma significativa a construção das idéias de novas gerações é algo, no mínimo, desafiador. Então, futuro professor, fique atento a muito de teus “passos” dentro e fora de sala de aula, em tuas produções e reproduções, em tuas idéias e falas e no que pensa que deve ser transmitido, de que forma para perpetuar às próximas gerações. Certamente, muito parece exagero, afinal, a parcela de participação do professor na formação das crianças e jovens é cada vez mínima em uma sociedade fragmentada, mas também da tecnologia e da informação “popularizada”, ainda que tudo isso seja manipulado, e é justamente por isso que se torna mais importante decidir o que e como devem ser realizadas tuas aulas, o que deve ser aproveitado ou descartado desta realidade.
            O que quer priorizar? Que futuro pretende ver? Que humanidade? Qual o valor e importância, qual o significado da educação e de tua disciplina na construção deste futuro pretendido? Pense nestas questões como fundamentais antes de iniciar uma “escolha” de conteúdos e/ou adaptações (tendo em vista que muitos já vêm determinados de instancias superiores), mas também o como vai trabalhar estes em sala de aula com teus alunos.
            Aí vão algumas dicas, se pretendes construir um aprendizado para a liberdade de expressão, mas com uma visão embasada e crítica, uma construção cidadã e humanista, também bons profissionais...
-preserve a visão significativa de seus conteúdos: não encha simplesmente a lousa de texto, senão formará meros copistas: traga a realidade para a sala de aula, unindo a vida ao que se é estudado.
-incentive e valorize a construção de aulas dialogadas: a informação é diferente do conhecimento, e este não vem pronto, deve ser construído, para isso se faz necessária a participação de todos os envolvidos no processo de aprendizagem.
- trabalhe em grupos, individualmente, em círculos na sala...: evite uma aula maçante e monótona.
-escolha os conteúdos pensando nos alunos não em você, no que é mais fácil encontrar ou fazer, afinal, se a realidade escolar e dos alunos “pedem” conteúdos que ainda não se aprofundou, deve servir como incentivo de maiores estudos e ampliação de conhecimentos pessoais e profissionais.
-mesmo com todo o trabalho do preparo das aulas e atividades, não tenha medo de improvisar, a criatividade é fundamental a um professor: existem situações “perfeitas” que surgem quando menos esperamos.
-não subestime teus alunos: não deixe de levar filmes, textos, trabalhos... por pensar que não serão capazes de entender; arrisque e os ajude, certamente não compreenderão todos ao mesmo tempo, nós professores também não compreendemos tudo o que lemos ou vemos no exato momento e ao mesmo tempo que os demais, mas cada um em seu tempo.
-o tempo é psicológico e subjetivo: não o padronize senão quiser criar uma grande massa de seres, respeite o tempo de cada um, na medida do possível (a medida, muitas vezes é determinada pela escola, pelo governo, pelo MEC que querem resultados padronizados em tempos padronizados: números e números que auxiliam o discurso político e partidário).
-e, por enquanto, por fim, não aceite “receitas prontas” de outros professores e equipe: lembre da “massa”, não vamos preparar bolos, mas auxiliar no processo de construção de seres humanos, ainda que em uma parcela mínima. Precisamos de embasamento e conhecimentos, mas somos livres dentro das amarras do sistema educacional, a partir do momento em que entramos em sala de aula, não há justificativas além dos alunos e professores que estão dentro dela, ainda que o governo... a educação... o currículo...o diretor... o coordenador...
            Lembra-te: esta não é uma receita, mas apenas um olhar sobre uma realidade e algumas das milhares de possibilidades existentes neste emaranhado de relações existentes em sala de aula, mas também nas relações humanas de forma geral.

            Não te desejo boa sorte, pois acredito em teu potencial e não precisarás de sorte, mas sim um bom desenvolvimento de teu trabalho, e que aprendas cada vez mais, o que é recompensador na docência, um aprendizado constante de construção e desconstrução dialética do professor, do aluno, do humano.


Abraços,
Juliana Janaina.

O que é real? Como vemos a realidade? Somos realmente livres?


A alegoria da Caverna
Extraído de "A República" de Platão . 6° ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291


SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.
GLAUCO - Imagino tudo isso.
SÓCRATES - Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.
GLAUCO - Similar quadro e não menos singulares cativos!
SÓCRATES - Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?
GLAUCO - Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.
SÓCRATES - E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?
GLAUCO - Não.
SÓCRATES - Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?
GLAUCO - Sem dúvida.
SÓCRATES - E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?
GLAUCO - Claro que sim.
SÓCRATES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
GLAUCO - Necessariamente.
SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.
Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.
SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais?
GLAUCO - A princípio nada veria.
SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.
GLAUCO - Não há dúvida.
SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.
GLAUCO - Fora de dúvida.
SÓCRATES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.
GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.
SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?
GLAUCO - Evidentemente.
SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?
GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.
SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa -- porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade -- tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
GLAUCO - Por certo que o fariam.
SÓCRATES - Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos. 




QUAL É A CAVERNA? SE ELA EXISTE E NÃO TEMOS CONSCIÊNCIA DESTA EXISTÊNCIA, SOMOS REALMENTE LIVRES E RESPONSÁVEIS PELAS NOSSAS ESCOLHAS? TEMOS CONSCIÊNCIA DE NOSSA LIBERDADE?


Coisas do nosso capitalismo...



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Karl Marx e o conceito de "mais-valia"


Karl Marx foi o primeiro pensador econômico que criticou a dinâmica do modelo capitalista. Escreveu um tratado de três volumes sobre todos os economistas existentes, que foi publicado como Teoria da Mais- Valia e, posteriormente, incorporado à obra O Capital, obra mais importante do autor. A teoria maxista da mais-valia pode ser compreendida da seguinte forma: suponhanhamos que um funcionário leve 2 horas para fabricar um par de calçados. Nesse período ele produz o suficiente para pagar todo o seu trabalho. Mas, ele permanece mais tempo na fábrica, produzindo mais de um par de calçados e recebendo o equivalente à confecção de apenas um. Em uma jornada de 8 horas, por exemplo, são produzidos 4 pares de calçados. O custo de cada par continua o mesmo, assim também como o salário do proletário. Com isso, conclui-se que ele trabalha 6 horas de graça, reduzindo o custo do produto e aumentando os lucros do patrão. Esse valor a mais (mais-valia) é apropriado pelo capitalista e constitui o que Karl Marx chama de "Mais-Valia Absoluta". Além do operário permanecer mais tempo na fábrica o patrão pode aumentar a produtividade com a aplicação de tecnologia. Dessa forma, o funcionário produz ainda mais. Porém o seu salário não aumenta na mesma proporção. Surge assim, a "Mais-Valia Relativa". Com esse conceito Marx define a exploração capitalista.

Fonte: http://pt.shvoong.com/social-sciences/1705312-karl-marx-conceito-mais-valia/ 

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Existem FilósofAs?




Aqui vão alguns nomes de filósofas que fizeram  e fazem parte da história do pensamento, ainda que de forma exclusa e periférica da construção de "uma" sociedade cujo discurso é essencialmente masculino.

 
FILÓSOFAS 

Filósofas Antigas

 2354 a. C - Hedu’ann do Iraque
1875 – Aganice, Egito.
800 - Lopamudar da India
800 - 500 Gargi da India
800 - 500 Maitreyi da India
600 - Ambapali da India.
570 - Cleobulina de Rodes
550 - Temistocleia de Delfos
546 - Teano de Crotona (Itália )
535 – Damo, Itália.
Arignote, Itália
525 - Myia
Melissa
535 - Damo
470 - Aspásia de Mileto
450 - Diotima de Mantineia
400/300 – Areta de Cirene
350 - Axioteia de Filésia
340 - Hipárquia
300 – Lastênia de Matnineia
325 - Pertictione I
300 - Fíntis de Esparta
300/100 - Aresare de Lucânia
300 - Teano II
300/100 - Perictione II
45/51 - 114/ 120 - Pan Chou ( Ban Zhao )
Século II- Bruriah
170 - 217 - Júlia Domna
200 - Marcela
300 - 350 - Sosipatra de Éfeso
- 305 – Catarina de Alexandria
- 375 – Hipácia de Alexandria
330 - 379 - Macrina, a jovem
- 340 – Macrina, a velha

Filósofas de Idade Média

614 - 680 - Hilda of Streonshalh, chamada também de Hilda de Whitby
777 - 837 - Yeshe-Tsogyal
804 - 843 - Dhouda da Gascônia
935 – 973 - Hroswitha de Gandersheim
970 – 1031 - Murasaki Shikibu
1098 – 1179 - Hildegarda de Bingen
1100 - Herrad de Hoehenbourg
1150 - Akka Mahadevi
1200 - Beguines
1200 - 1268 Beatrice de Nazareth
1207 - 1282 Mechtild de Magdeburgo
1220 - 1260 Hadewijch de Brabat
1229 Helfta Monastery
1256 – 1302- Gertrude, a Grande
1342 - 1416 - Juliana de Norwich
1364 – 1430 - Cristina de Pisan

Filósofas da Idade Moderna

1562 - ? Oliva Sabuco
1565 - 1645 Marie le jars de Gournay
1590 - 1670 Asnat Barzani (Asenath Barzani)
1600 - 1685 Bathsua Makin
1607 - 1678 - 1670 Anna Maria Van Schurman
1617 - 1680 Elizabeth de Bohemina
1623 - 1667 Margaret Cavendish
1626 - 1689 Kristina Wasa
1631 - 1679 Anne Finch
1643 - 1703 Gabrielle Suchon
1646 - 1684 Helena Lucretia Cornaro Piscopis
1658 - 1708 Damaris Cudworth Masham
1666 - 1731 Mary Astell
1679 - 1749 Catharine Trotter Cockburn
early 1700's - Sophia
1706 - 1749 Emilie du Chatelet
1711 - 1778 Laura Bassi
1731 - 1791 Catharine Macaulay
1745 - 1793 Olympe de Gouges
1759 - 1797 Mary Wollstonecraft
1785 - 1848 Anna Doyle Wheeler
1751 - 1822 Judith Sargent Murray
1780 - 1782 Mary Fairfax Somerville

Filósofas da Idade Contemporânea

1801 - 1879 Hortense de Meritens
1802 - 1896 Harriet Martineau
1809 - 1875 Jenny Poinsard d'Hericourt
1822 - 1907 Elizabeth Cabot Cary Agassiz
1834 - 1896 Julie Velten Favre
1836 - 1911 Anna Brackett
1838 - 1929 Ellen Mitchell
1843 - 1916 Susan Blow
1849 - 1912 Grace C Bibb
1854 - 18998 Marietta Kies
1871-1919 Rosa Luxemburgo 
1891-1942 Edith Theresa Hedwing Stein
1895 - 1985 Susanne Langer
1904-1996  María Zambrano
1905 -1982 Ayn Rand
1906 - 1975 Hannah Arendt
1908-1986 Simone de Beauvoir
1909 - 1938 Simone Weil
1919-1999 Iris Murdoch 
1919 -2001 Elizabeth Margaret Anscombe
n. 1919 Mary Midgley 
n. 1920 Philippa Foot
n. 1921 Ruth Barcan Marcus 
n. 1924 Mary Warnock 
n. 1929 Judith Jarvis Thomson 
n. 1932 Luce Irigaray
n. 1936 Margaret Boden
n. 1943 Patricia Churchland 
n. 1945 Susan Haack 
n. 1947 Martha Nussbaum
n. 1956 Judith Butler

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

EU ETIQUETA – Carlos Drummond



  
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO: Vinícius de Moraes


Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
— Garrafa, prato, facão —
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão.
Pois além do que sabia
— Exercer a profissão —
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
— “Convençam-no” do contrário — Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
— Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro de seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
— Loucura! — Gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
— Mentira! — disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Como o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

Um passo para a vida



O menino no banco
Passa carro, gente e bicicletas
Gritos e mais gente: é dia de feira
E o olhar deslumbrado,
Do menino no banco.

Suas pernas sequer chegam ao chão
Seus braços curtos e mãos pequenas firmam no assento por medo da queda
E ouve risos altos e debochados, tombos feios e desesperos
Lágrimas nos rostos, de tristezas profundas
Ou alegrias inexplicáveis
E o menino no banco.

E passa vida e mais vida
Medos e surpresas
De longe os olhos brilham
Mesmo sem entender o que está além do banco.

Seus pezinhos, então, já balançam para lá e pra cá
E com um pequeno impulso, chega a com eles, sentir o chão
E por um escorregão o menino no banco descobre que não está mais no banco
E procura um novo banco para sentar.
                                                                                        
                                        Mas até encontrar...
Juliana Janaina.