sábado, 24 de março de 2012

A hora da estrela

Aqui está disponibilizado o link para o livro "A hora da estrela", de Clarice Lispector. (para ttrabalho do 2º ano)

http://www.gremioifba.com/outros/Clarice-LispectorA-Hora-Da-Estrela.pdf




domingo, 18 de março de 2012

indicação

Chomsky e as 10 estratégias de manipulação midiática


O lingüista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” através da mídia:
1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO. 
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para

impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES. 
Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.

6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.
Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…

9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.

16 de novembro de 2010
Fonte: .institutojoaogoulart.org.br



Consumo, logo existo!

23 de setembro de 2007


Escrito por Frei Betto
Ao visitar em agosto a  admirável obra social de Carlinhos Brown, no Candeal, em Salvador,  ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não conheceu a  fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e hortaliças.  "Quem trouxe a fome foi a geladeira", disse. O eletrodoméstico impôs à  família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes etc.

 A economia de mercado, centrada no lucro e não nos direitos da  população, nos submete ao consumo de símbolos. O valor simbólico da  mercadoria figura acima de sua utilidade. Assim, a fome a que se refere  Carlinhos Brown é inelutavelmente insaciável.

 É próprio do humano - e nisso também nos diferenciamos dos animais -  manipular o alimento que ingere. A refeição exige preparo, criatividade,  e a cozinha é laboratório culinário, como a mesa é missa, no sentido  litúrgico.

 A ingestão de alimentos por um gato ou cac horro é um atavismo  desprovido de arte. Entre humanos, comer exige um mínimo de cerimônia:  sentar à mesa coberta pela toalha, usar talheres, apresentar os pratos  com esmero e, sobretudo, desfrutar da companhia de outros comensais.  Trata-se de um ritual que possui rubricas indeléveis. Parece-me desumano  comer de pé ou sozinho, retirando o alimento diretamente da panela.

 Marx já havia se dado conta do peso da geladeira. Nos "Manuscritos  econômicos e filosóficos" (1844), ele constata que "o valor que cada um  possui aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens. Portanto,  em si o homem não tem valor para nós." O capitalismo de tal modo  desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também  consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me  cercam é que determinam meu valor social. Desprovido ou despojado deles,  perco o valor, condenado ao mundo ignaro da pobreza e à cultura da  exclusão.

 Para o povo maori da Nova Zelândia cada coisa, e não apenas as pessoas,  tem alma. Em comunidades tradicionais de África também se encontra essa  interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígene cultua  uma árvore ou pedra, um totem ou ave, com certeza faremos um olhar de  desdém. Mas quantos de nós não cultuam o próprio carro, um determinado  vinho guardado na adega, uma jóia?

 Assim como um objeto se associa a seu dono nas comunidades tribais, na  sociedade de consumo o mesmo ocorre sob a sofisticada égide da grife.  Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier; não se adquire um  carro, e sim uma Ferrari; não se bebe um vinho, mas um Château Margaux. A  roupa pode ser a mais horrorosa possível, porém se traz a assinatura de  um famoso estilista a gata borralheira transforma-se em cinderela...

 Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura  neoliberal nos faz acreditar que delas emana  uma energia que nos cobre  como uma bendita unção, a de que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos  ricos, do poder. Pois a avassaladora indústria do consumismo imprime aos  objetos uma aura, um espírito, que nos transfigura quando neles  tocamos. E se somos privados desse privilégio, o sentimento de exclusão  causa frustração, depressão, infelicidade.

 Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é  alçada ao altar dos incensados pela inveja alheia. Ela se torna também  objeto, confundida com seus apetrechos e tudo mais que carrega nela mas  não é ela: bens, cifrões, cargos etc.

 Comércio deriva de "com mercê", com troca. Hoje as relações de consumo  são desprovidas de troca, impessoais, não mais mediatizadas pelas  pessoas. Outrora, a quitanda, o boteco, a mercearia, criavam vínculos  entre o vendedor e o comprador, e também constituíam o espaço das  relações de vizinhança, como ainda ocorre n a feira.

 Agora o supermercado suprime a presença humana. Lá está a gôndola  abarrotada de produtos sedutoramente embalados. Ali, a frustração da  falta de convívio é compensada pelo consumo supérfluo. "Nada poderia ser  maior que a sedução" - diz Jean Baudrillard - "nem mesmo a ordem que a  destrói." E a sedução ganha seu supremo canal na compra pela internet.  Sem sair da cadeira o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos  que deseja.

 Vou com freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas  e contemplar os veneráveis objetos de consumo, vendedores se acercam  indagando se necessito algo. "Não, obrigado. Estou apenas fazendo um  passeio socrático", respondo. Olham-me intrigados. Então explico:  Sócrates era um filósofo grego que viveu séculos antes de Cristo. Também  gostava de passear pelas ruas comerciais de Atenas. E, assediado por  vendedores como vocês, respondia: "Estou apenas observando qu anta coisa  existe de que não preciso para ser feliz."

terça-feira, 6 de março de 2012

Pequeno tratado da idiotice contemporânea, por Marilia Amorim

Publicado em 04/03/2012
Marilia Amorim, Maître de Conférences da Universidade de Paris 8 e ex-professora do Departamento de Psicologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro,  concedeu essa entrevista ao orgulhoso irmão, o ansioso blogueiro, por e-mail.
É a propósito do lançamento de seu terceiro livro na França, “Petit traitê de la bêtise contemporaine, suivi de Comment (re)devenir intelligent”.

1)    Ao passar na rua, assim, caminhando contra o vento, como se reconhece um idiota ?
Acontece com todo mundo de se ver idiota em uma situação ou outra. Nenhum problema com isso pois a idiotice pessoal não é a questão. O que me preocupa é a idiotice coletiva, ou melhor, os sistemas coletivos para nos tornar idiotas.
2)    Por que a sra se irrita tanto quando a publicidade, a internet ou a televisão lhe tratam de “você” ?
Ao contràrio, me tratar de “você” é perfeitamente aceitável. O que não é aceitável é que se apropriem da primeira pessoa do singular “EU” e a utilizem em meu lugar. Esse é o suprasumo da idiotice linguística, produzida como manipulação publicitária para tentar vender determinados produtos. Os exemplos que analiso no livro são conhecidos apenas pelo público francês, mas posso citar um que é de conhecimento planetário e que está na origem  desse modelo. Quando a Microsoft lança o seu “computador pessoal” (personal computer) na concorrência com a MacIntosh, ela coloca na página de entrada do Windows toda a organização das pastas e dos documentos na primeira pessoa do singular: “Meus documentos”, “Minhas imagens” e assim por diante. A pergunta é: meus de quem? Quando organizo meus documentos na minha casa, não escrevo nas pastas “meus documentos” ou “minhas contas” e sim, “contas”, “documentos”, etc. Seria completamente idiota escrever isso nas minhas próprias pastas. A estratégia publicitária da Microsoft era criar no comprador e no usuário a ilusão de que ele estava “em casa”. Como atualmente os publicitários e profissionais de marketing formatam toda palavra pública, com o objetivo de “vender a idéia”, na França e nos Estados Unidos essa aberração linguística invadiu todas as esferas, mesmo aquelas onde quem fala é um poder público e não um supermercado.
3)    Qual o resultado dessa apropriação do “eu”, do “você” e do “ele” pela linguagem da publicidade, da televisão e da internet ?
A apropriação do pronome EU é uma manipulação linguística que serve à lógica de mercado. Ela visa a criar no consumidor a ilusão de que ele está sendo ele mesmo quando consome. Ora, o consumo de massa é exatamente aquilo que padroniza e que apaga o Eu.
4)    A tese de seu livro é “a palavra que produz a inteligência é a que transmite cultura”. Por que ?
Assim como existe a palavra que nos torna idiotas, ou que pelo menos tenta, existe aquela que nos torna inteligentes ao nos dar um lugar no processo de trasmissão e circulação da cultura. A cultura é o que resiste porque ela nos fornece elementos múltiplos, provindos dos diferentes saberes, da arte, da história, etc. para entender e valorizar a complexidade das coisas e desconfiar das simplificações idiotizantes.
5)    A senhora se refere a um diálogo de Platão – “Fedro “- em que Sócrates repele a linguagem escrita. A senhora, como Sócrates, não teme ser jurássica, com suas criticas à televisão e à internet ?
Platão deixou sua obra inteiramente por escrito e somente uma leitura apressada do Fedro pode achar que ele é contra a escrita. O que ele descobriu, através de Sócrates, foi a relação entre a invenção da escrita e a transformação nos processos de memória. Essa descoberta permanece tão atual que todos os filósofos contemporâneos se baseiam em Fedro para tratar das transformações causadas pela invenção da informática. Com a escrita e, mais ainda com a informática, a memória se torna exterior, não está mais dentro da minha cabeça. A externalização permite guardar uma quantidade infinitamente maior de dados, mas ela não nos exime do que Sócrates chama de “trabalho de memória”: o trabalho de cada sujeito singular que se responsabiliza pela transmissão da cultura ao lhe atribuir valor e sentido. Sem o trabalho dos sujeitos, a memória externalizada se reduz a um arquivo frio que, por isso mesmo, acaba se perdendo. É um equívoco pensar que a informática por si só garante a preservação da cultura.
6)    Quem é o “papagaio tecnológico “, um personagem de seu livro ?
O papagaio tecnológico é aquele que se refugia nos recursos técnológicos, internet, powerpoint e outros, para esconder que não tem nada a dizer. Ele repete o que todo mundo já sabe ou que faz parte das bobagens circulantes mas disfarça essa indigência com superpoduções hipermediáticas. A indigência de idéias acobertada pela superprodução hipermediática é algo muito frequente no universo internet e vem ocupando outros espaços como, por exemplo, a Universidade. Isso não significa que desprezo a tecnologia e a prova concreta disso é que um dos cursos que ministro na Universidade de Paris é um curso à distância, dado on line. A questão é saber o que você faz com a tecnologia e não pensar que ela pode fazê-lo por você.
7)    A senhora não usa o Google ? Parece que não … Qual é o problema do Google ?
Uso o Google quase todo dia, até várias vezes por dia caso contrário, não poderia estar tratando desse assunto. Mas porque o fato de utilizá-lo me impediria de analisar seu funcionamento e fazer críticas? Quando você abre o Google, você cai num shopping center. A informação séria vem junto com um calhamaço de publicidade disfarçada em informação. No início, os próprios criadores do Google consideraram importante separar publicidade de informação, mas com o tempo acabaram cedendo à pressão dos anunciantes. Além disso, mesmo a informação séria ou a obra a ser consultada está submetida a uma lógica mercadológica que é a do “page ranking”: em primeiro lugar aparece a obra que apresenta  maior n° de consultas, isto é, a mais cotada. Ora, a melhor obra não é necessariamente a mais cotada e num trabalho de pesquisa, seja ela acadêmica, pessoal ou existencial, uma obra desconhecida a qual ninguém até então havia dado importância pode ser decisiva. Então, para separar o joio do trigo e construir um percurso realmente original nesse shopping center da cultura é preciso ser um cidadão muito bem formado.  Toda política educacional deve levar isso em conta. Não basta garantir o acesso material e técnico ao computador e à banda larga; é fundamental garantir uma boa escola que ensine o jovem e a criança a se protegerem da idiotice.
8)    Qual a diferença entre o “saber da ação” e o “saber narrativo” ?
Digo que o saber narrativo é o que há de mais fundamental no ser humano. Os animais se comunicam mas não contam histórias. Quem prefere o saber da ação ao saber narrativo é a ideologia dominante e ela o faz porque o único critério de validade no saber da ação é a eficácia: bom é aquilo que funciona e, reciprocamente, se funciona é bom. Nessa lógica pragmática, o que funciona é sempre bom. Ora, um veneno também é uma coisa bastante eficaz: ele mata.
9)    A sra diz que a televisão é a “psicotecnologia da idiotice”. O que a senhora tem contra a televisão ? A sra tem uma certa implicância com a “entonação“ dos apresentadores da televisão. Por que ?
Foi o filósofo Bernard Stiegler quem batizou a televisão com essa expressão que acho excelente. Mas não critico toda e qualquer televisão. A televisão que critico é aquela que está inteiramente a serviço dela mesma e de seus anunciantes, e não do espectador. O que ela quer é garantir que o sujeito não desligue nem mude de canal e desenvolve tiques de linguagem que traem essa postura. No meu livro, dou um exemplo do campeonato de tênis transmitido ao vivo pela televisão aberta francesa. Os comentaristas ocupam todo o lugar, falam sem parar e fazem com que o acontecimento crucial que é uma partida final de campeonato fique em segundo plano. Uma partida de tênis supõe silêncio: não apenas para os jogadores poderem se concentrar, mas também para aquele que assiste. Ora, a televisão quebra esse clima e introduz sua entonação “engraçadinha e simpática” cujo único significado é um irritante “Fique com a gente!”. Imagino que nas transmissões de futebol na TV brasileira deva acontecer algo parecido.
10)    Todos os jornalistas se parecem ? É tudo a mesma mixórdia ?
Claro que não! Há jornalistas que trabalham se pautando por imperativos inversos ao que acabo de descrever. Eles colocam o direito do leitor ou do espectador à informação e à verdade acima de tudo e por isso, muitas vezes, arriscam as próprias vidas.
11)    “As condições enunciativas da idiotice” que a senhora localiza na sociedade contemporânea são coisas nossas, do nosso tempo, ou nunca houve idiotice igual ? Essas “condições enunciativas” têm algo haver com o que se chama vulgarmente  de “neo-liberalismo “, ou na sua contrafação mais erudita, de “pós-modernismo” ?
Todos os regimes totalitários criam dispositivos para nos transformar em idiotas. A ditadura militar fazia isso através da censura das falas. A ditadura do mercado transforma sutilmente a maneira de falar para dar a ilusão de que não estou submetido a nenhum poder e que sou eu o centro de tudo. “Eu isso, eu aquilo” como se fosse realmente eu quem estivesse dando as cartas. É o que chamo de totalitarismo não-autoritário pois o mercado invade todas as esferas da nossa vida sem que apareça a figura da autoridade que o representa. Essa forma de poder se esconde atrás de uma fala “simpática” ou “lúdica” o que torna a resistência e a crítica muito difíceis.
12)    Como “des-conhecer a palavra que leva à idiotice” ? – como a sra recomenda no fim?
Não é isso o que eu digo.  É a palavra que leva à idiotice que nos faz des-conhecer, isto é, deixar de conhecer o que conhecíamos. E o que recomendo é empreender coletivamente um “trabalho de memória” de tudo aquilo que tentam nos fazer esquecer quando nos tratam como idiotas. Nesse trabalho coletivo, é preciso não ter medo de ser visto como “jurássico” e assumir a responsabilidade que cabe às gerações mais velhas. Como venho de um outro tempo, conheci outros mundos, com seus defeitos e qualidades, e isso me dá elementos de comparação. A comparação é um procedimento cognitivo fundamental, é a base do raciocínio inteligente e as gerações que já nasceram dentro do funcionamento atual não podem comparar. Embora pressintam e desejem essa comparação pois ela está prevista na própria língua: é a diferença entre o verbo ser e o verbo estar. Como dizia um cartaz de “los indignados” que encontrei em Santiago de Compostela, na Galícia, “el mundo está así, no es así”.
13)    Uma ultima questão: o seu estilo, coloquial, bem humorado, de tratar do leitor como interlocutor vem de Machado ou de Baudelaire: “hypocrite lecteur, mon semblable, mon frère!” ?
Tentei escrever um livro engraçado e, segundo o que dizem os leitores, parece que consegui. Porque o humor é uma arma muito importante contra a idiotice, sobretudo quando ela é produzida por abuso de poder. Se eu fosse o Henfil, nosso genial cartunista, que, aliás, cito nesse trabalho, esse livro seria um cartoon. Isso fica claro, por exemplo, nas várias passagens em que debocho do Sarkozy e a quem me refiro, de maneira ironicamente pomposa, como o Presidente da República Francesa, vulgo, PRF…