sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Estética: arte e Filosofia.

 A Estética Filosófica



A estética é um ramo da filosofia que se ocupa das questões tradicionalmente ligadas à arte, como o belo, o feio, o gosto, os estilos e as teorias da criação e da percepção artísticas.
Do ponto de vista estritamente filosófico, a estética estuda racionalmente o belo e o sentimento que este desperta nos homens. Dessa forma, surge o uso corrente, comum, de estética como sinônimo de beleza. E esse o sentido dos vários institutos de estética: institutos de beleza que podem abranger do salão de cabeleireiro à academia de ginástica.
A palavra estética vem do grego aisthesis e significa "faculdade de sentir", "compreensão pelos sentidos", "percepção totalizante". Assim, retomando o que foi exposto no capítulo anterior, a obra de arte, sendo, em primeiro lugar, individual, concreta e sensível, oferece-se aos nossos sentidos; em segundo lugar, sendo uma interpretação simbólica do mundo, sendo uma atribuição de sentido ao real e uma forma de organização que transforma o vivido em objeto de conhecimento, proporciona a compreensão pelos sentidos; ao se dirigir, enquanto conhecimento intuitivo, à nossa imaginação e ao sentimento (não à razão lógica), toma-se em objeto estético por excelência.
O BELO
          Vejamos, agora, as questões relativas à beleza e à feiúra. Será que podemos definir claramente o que é a beleza, ou será que esse é um conceito relativo, que vai depender da época, do país, da pessoa, enfim? Em outros termos, a beleza é um valor objetivo, que pertence ao objeto e pode ser medido, ou subjetivo, que pertence ao sujeito e que, portanto, poderá mudar de indivíduo para indivíduo?
          As respostas a essas perguntas variaram durante o decorrer da historia. De um lado, dentro de uma tradição iniciada com Platão (séc. IV a.C.), na Grécia, há os filósofos que defendem a existência do "belo em si", de uma essência ideal, objetiva, independente das obras individuais, para as quais serve de modelo e de critério de julgamento. Existiria, então, um ideal universal de beleza que seria o padrão a ser seguido. As qualidades que tornam um objeto belo estão no próprio objeto e independem do sujeito que as percebe.
          Levando essa idéia a suas últimas conseqüências, poderíamos estabelecer regras para o fazer artístico, com base nesse ideal. E é exatamente isso que vão fazer as academias de arte, principalmente na França, onde são fundadas a partir do século XVII.
          Defendendo o outro lado, temos os filósofos empiristas, como David Hume (séc. XVIII), que relativizam a beleza, reduzindo-a ao gosto de cada um. Aquilo que depende do gosto e da opinião pessoal não pode ser discutido racionalmente, donde o ditado: "Gosto não se discute". O belo, dentro dessa perspectiva, não está mais no objeto, mas nas condições de recepção do sujeito.
          Kant, ainda no século XVIII, tentan-do resolver esse impasse entre objetividade e subjetividade, afirma que o belo é "aquilo que agrada universalmente, ainda que não se possa justificá-lo intelectualmente". Para de, o objeto belo é uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito. O princípio do juízo estético, portanto, é o sentimento do sujeito e não o conceito do objeto. Apesar de esse juízo ser subjetivo, ele não se reduz à individualidade de um único sujeito, uma vez que todos os homens têm as mesmas condições subjetivas da faculdade de julgar. É algo que pertence à condição humana, isto é, porque sou humano, tenho as mesmas condições subjetivas de fazer um juízo estético que meu vizinho ou o crítico de arte. O que o crítico de arte tem a mais é o seu conhecimento de história e a sensibilidade educada. Assim, o belo é uma qualidade que atribuímos aos objetos para exprimir um certo estado da nossa subjetividade, não havendo, portanto, uma idéia de belo nem regras para produzi-lo. Existem objetos belos que se tornam modelos exemplares e inimitáveis.
          Hegel, no século seguinte, introduz o conceito de história. A beleza muda de face e de aspecto através dos tempos. E essa mudança (chamada devir), que se reflete na arte, depende mais da cultura e da visão de mundo presentes em determinada época do que de uma exigência interna do belo.
          Hoje em dia, numa visão fenomeno-lógica, consideramos o belo como uma qualidade de certos objetos singulares que nos são dados à percepção. Beleza é, também, a imanência total de um sentido ao sensível, ou seja, a existência de um sentido absolutamente inseparável do sensível. O objeto é belo porque realiza o seu destino, é autêntico, é verdadeiramente segundo o seu modo de ser, isto é, é um objeto singular, sensível, que carrega um significado que só pode ser percebido na experiência estética. Não existe mais a idéia de um único valor estético a partir do qual julgamos todas as obras. Cada objeto singular estabelece seu próprio tipo de beleza.
O FEIO TAMBÉM É BELO ?
          O problema do feio está contido nas colocações que são feitas sobre o belo. Por princípio, o feio não pode ser objeto da arte. No entanto, podemos distinguir, de imediato, dois modos de representação do feio: a representação do assunto "feio" e a forma de representação feia. No primeiro caso, embora o assunto "feio" tenha sido expulso do território artístico durante séculos (pelo menos desde a Antiguidade grega até a época medieva]), no século XIX ele é reabilitado. No momento em que a arte rompe com a idéia de ser "cópia do real" e passa a ser considerada criação autônoma que tem por função revelar as possibilidades do real, ela passa a ser avaliada de acordo com a autenticidade da sua proposta e com sua capacidade de falar ao sentimento.           O problema do belo e do feio é deslocado do assunto para o modo de representação. E só haverá obras feias se forem malfeitas, isto é, se não corres-ponderem plenamente à sua proposta. Em outras palavras, quando houver uma obra feia, nesse último sentido, não haverá uma obra de arte.
O GOSTO
          A questão do gosto não pode ser encarada como uma preferência arbitrária e imperiosa da nossa subjetividade. Quando o gosto é assim entendido, nosso julgamento estético decide o que preferimos em função do que somos. E não há margem para melhoria, aprendizado, educação da sensibilidade, para crescimento, enfim. Isso porque esse tipo de subjetividade refere-se mais a si mesma do que ao mundo dentro do qual ela se forma.
          Se quisermos educar o nosso gosto frente a um objeto estético, a subjetividade precisa estar mais interessada em conhecer do que em preferir. Para isso, ela deve entregar-se às particularidades de cada objeto.
          Nesse sentido, ter gosto é ter capacidade de julgamento sem preconceitos. É deixar que cada uma das obras vá formando o nosso gosto, modificando-o. Se nós nos limitarmos àquelas obras, sejam elas música, cinema, programas de televisão, quadros, esculturas, edifícios, que já conhecemos e sabemos que gostamos, jamais nosso gosto será ampliado. É a própria presença da obra de arte que forma o gosto: toma-nos disponíveis, faz-nos deixar de lado as particularidades da subjetividade para chegarmos ao universal.
          Mikel Dufrenne, filósofo francês contemporâneo, explica esse processo de forma muito feliz, e por isso vamos citá-lo. Diz que a obra de arte "convida a subjetividade a se constituir como olhar puro, livre abertura para o objeto, e o conteúdo particular a se pôr a serviço da compreensão em lugar de ofuscá-la fazendo prevalecer as suas inclinações. À medida que o sujeito exerce a aptidão de se abrir, desenvolve a aptidão de compreender, de penetrar no mundo aberto pela obra. Gosto é, finalmente, comunicação com a obra para além de todo saber e de toda técnica. O poder de fazer justiça ao objeto estético éa via da universalidade do julgamento do gosto".
          Assim, a educação do gosto se dá dentro da experiência estética, que é a experiência da presença tanto do objeto estético como do sujeito que o percebe. Ela se dá no momento em que, em vez de impor os meus padrões à obra, deixo que essa mesma obra se mostre a partir de suas regras internas, de sua configuração única. Em outras palavras, no momento em que entro no mundo da obra, jogo o seu jogo de acordo com suas regras e vou deixando aparecer alguns de seus muitos sentidos.
          Isso não quer dizer que vá ser sempre fácil. Precisamos começar com obras que nos estejam mais próximas, no sentido de serem mais fáceis de aceitar. E dar um passo de cada vez. O importante é não parar no meio do caminho, pois o universo da arte é muito rico e muito enriquecedor. Através dele, descobrimos o que o mundo pode ser e, também, o que nós podemos ser e conhecer. Vale a pena.
          Concluindo tudo isso que acabamos de discutir: os conceitos de beleza e feiúra, os problemas do gosto e a recepção estética constituem o território desse ramo da filosofia denominado estética.
A HISTÓRIA
O belo e a beleza têm sido objecto de estudo ao longo de toda a história da filosofia. A estética enquanto disciplina filosófica, surgiu na antiga Grécia, como uma reflexão sobre as manifestações do belo natural e o belo artístico. O aparecimento desta reflexão sistemática é inseparável da vida cultural das cidades gregas, onde era atribuída uma enorme  importância aos espaços públicos, ao livre debate de ideias  e aos poetas, arquitectos, dramaturgos e escultores era  conferido um grande reconhecimento social.
Platão foi o primeiro a formular explicitamente a pergunta: O que é o Belo? O belo é identificado com o bem, com a verdade e a perfeição. A beleza existe em si, separada do mundo sensível.Uma coisa é mais ou menos bela conforme a sua participação na ideia suprema de beleza. Neste sentido criticou a arte que se limitava a "copiar" a natureza, o mundo sensível, afastando assim o homem da beleza que reside no mundo das ideias.
Aristóteles concebe a arte como uma criação especificamente humana. O belo não pode ser desligado do homem, está em nós. Separa todavia a beleza da arte. Muitas vezes a fealdade, o estranho ou o surpreendente converte-se no principal objectivo da criação artística. Aristóteles distingue dois tipos de artes:
a) as que possuem uma utilidade prática, isto é, completam o que falta na natureza.
b) As que imitam a natureza, mas também podem abordar o que é impossível, irracional, inverosímil.
O que confere a beleza uma obra é a sua proporção, simetria, ordem, isto é, uma justa medida.

Durante a Idade Média, o Cristianismo, difundiu uma nova concepção da beleza, tendo como fundamento a identificação de Deus com a beleza, o bem e a verdade.

Santo Agostinho concebeu a beleza como todo harmonioso, isto é, com unidade, número, igualdade, proporção e ordem. A beleza do mundo não é mais do que o reflexo da suprema beleza de Deus, onde tudo emana. A partir da beleza das coisas podemos chegar à beleza suprema (a Deus). 

São Tomás de Aquino identificou a beleza com o Bem. As coisas belas possuem três características ou condições fundamentais: a) Integridade ou perfeição ( o inacabado ou fragmentário é feio); b) a proporção ou harmonia (a congruência das partes); c) a claridade ou luminosidade. Como em Santo Agostinho, a beleza perfeita identifica-se com Deus.

No Renascimento (séculos XV só em Itália, e XVI em toda a Europa), os artistas adquirem a dimensão de verdadeiros criadores. Os génios têm o poder de criar obras únicas, irrepetíveis. Começa a desenvolver-se uma concepção elitista da obra da obra de arte: a verdadeira arte é aquela que foi criada unicamente para o nosso deleite estético, e não possui qualquer utilidade. Entre as novas ideias estéticas que então se desenvolvem são de destacar as seguintes:
a) Difusão de concepções relativistas sobre a beleza. O belo deixa de ser visto como algo em si, para ser encarado como algo que varia de país para país, ou conforme o estatuto social dos indivíduos. Surge o conceito de "gosto".
b)Difusão de uma concepção misteriosa da beleza, ligada à simbologia das formas geométricas e aos números, inspirada no pitagorismo e neoplatonismo.
c) Difusão de uma interpretação normativa da estética aristotélica. Estabelecem-se regras e padrões fixos para a produção e a apreciação da arte.
  Entre os séculos XVI e XVIII predominam as estéticas de inspiração aristotélica. Procura-se definir as regras para atingir a perfeição na arte. As academias que se difundem a partir do século XVII, velam pelo seu estudo e aplicação.
Na segunda metade do século XVIII, a sociedades europeia atravessa uma profunda convulsão. O começo a revolução industrial, a guerra da Independência Americana e a Revolução Francesa criaram um clima propício ao aparecimento de novas ideias. O principal movimento artístico deste período, foi o neoclássico que toma como fonte de inspiração a antiga Grécia e Roma. A arte neoclássica será utilizada de forma propagandistica durante a Revolução Francesa e no Império napoleónico. É neste contexto que surge I. Kant, o principal criador da estética contemporênea. Para Kant os nossos juízos estéticos tem um fundamento subjectivo, dado que não se podem apoiar em conceitos determinados. O critério de beleza que neles se exprimem é o do prazer desinteressado que suscita a nossa adesão. Apesar de subjectivo, o juízo estético, aspira à universalidade.
Ao longo do século XIX a arte atravessa profundas mudanças. O academismo  é posto em causa; artistas como Courbet, Monet, Manet, Cézanne ou Van Gogh abrem uma ruptura com as suas normas e convenções, preparando desta maneira o terreno para a emergência da arte moderna. Surge então múltiplas correntes estéticas, sendo de destacar as seguintes:
a) A romântica que proclama um valor supremo para a arte (F. Schiller, Schlegel, Schelling, etc). Exalta o poder dos artistas, os quais através das suas obras revelam a forma suprema do espírito humano, o Absoluto.
b) A realista que defende o envolvimento da arte nos combates sociais. As obras de arte assumem muitas vezes, um conteúdo político manifesto.
    O século XX foi a todos os níveis um século de rupturas. No domínio das práticas artísticas, ocorrem importantes mudanças no entendimento da própria arte, em resultado de uma multiplicidade de factores, nomeadamente:
a) A integração no domínio da arte de novas manifestações criativas. Umas já existiam mas estavam desvalorizadas, outras são relativamente recentes. Esta integração permitiu esbater as fronteiras entre a arte erudita e a arte para grandes massas. Entre as primeiras destacam-se as artes decorativas, a art naif, a arte dos povos primitivos actuais, o artesanato urbano e rural. Entre as segundas destacam-se a fotografia, o cinema, o design, a moda, a rádio, os  programas televisivos, etc.  Todas estas artes são hoje colocadas em pé de igualdade com as artes consagradas, como a pintura, escultura etc., denominadas também por "Belas Artes".
b)Os movimentos artísticos que desde finais do século XIX tem aparecido, em todo o mundo, tem revelado uma mesma atitude desconstrutiva em relação a todas as categorias estéticas. Todos os conceitos são contestados, e todas as fronteiras entre as artes são postas em causa. A arte foi des-sacralizada, perdeu a sua carga mítica e iniciática de que se revestiu em épocas anteriores, tornando-se frequentemente um mero produto de consumo. Quase tudo pode ser  considerado como arte, basta para tanto que seja "consagrado" por um artista.
c) No domínio teórico aparecem inúmeras as teorias que defendem novos critérios para apreciação da arte. No panorama das teorias estéticas predominam as concepções relativistas. Podemos destacar  três correntes fundamentais:
- As estéticas normativas concebem a beleza fundamentada em princípios inalteráveis. Entre elas sobressaí a estética fenomenológica de Edmund Husserl.
- As estéticas marxistas e neomarxistas marcadas por uma orientação nitidamente sociológica. O realismo continuou a ser a expressão que melhor se adequa às ideias defendidas por esta corrente. A  arte nos países socialistas, por exemplo, cumpria através de imagens realistas uma importante função: antecipar a "realidade" da sociedade socialista, transformando-a numa utopia concreta.
- A estética informativa que deriva das teorias matemáticas da informação. Esta estética procura constituir um sistema de avaliação dos conteúdos inovadores presentes numa obra de arte.

Fonte: http://br.geocities.com/maeutikos/filosofia/filosofia_estetica.htm

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