terça-feira, 2 de novembro de 2010

POR FALAR NISSO...

A Religião e as religiões africanas no Brasil1
Yvie Favero2

A religião de origem africana é cultuada no Brasil desde o século XVI, trazida da África pelos negros, escravos, arrancados de sua terra para este país, que hoje, depois de tantas perseguições, lutas e desafetos podem cultuar seus Deuses de forma livre.
Eduardo Cezimbra

Brasil: República Federativa, a maior da América do Sul. É um dos países mais populosos do mundo e um dos mais multirraciais. Com cerca de 45% da população composta de afrodescendentes, recebeu imigrantes da Itália, Espanha, França, Japão e muito mais, por isso mesmo, riquíssimo em cultura, em culturas! Assim, pensar em Brasil é pensar em brasilidade, tradições, costumes, crenças, sentimentos, língua e linguagens. Para falar e pensar o Brasil é preciso considerar seus sistemas simbólicos: sua arte, ciência, linguagens, relações econômicas e sua religião, aspectos este, foco deste texto.
Comecemos, então, a falar em religião: a expressão deriva do latim re-ligare, religar com o divino, no âmbito das concepções místicas, às percepções que vão além do mundo físico. A manifestação religiosa está presente em todas as culturas e pode ser definida como o conjunto das atitudes e atos pelos quais o homem se prende, se liga ao divino ou manifesta sua dependência em relação a seres invisíveis tidos como sobrenaturais. Os mitos engendrados milenarmente reatualizavam e ritualizavam convicções que mantinham a estrutura das sociedades.
Alguns estudos, como os promovidos por Engels e Durkhein, citados em BASTIDE(1989, p.10) e, depois, por VALÈRIO que, erroneamente chamaram algumas coletividades de “primitivas”, diziam que a forma religiosa traduzia a angústia do homem em relação às forças misteriosas da natureza que não pode domesticar. Todavia, as coletividades “contemporâneas” também exprimiriam suas angústias em face às forças sociais, economia, desemprego, globalização. Entretanto, classificar as religiões em primitivas ou não, foram maneiras preconceituosas e discriminatórias utilizadas pelo pensamento evolucionista. Tendo como parâmetro a sua religião, estudiosos europeus ordenaram e julgaram as chamadas “outras” sociedades. Nesse sentido, as consideradas atrasadas ficavam mais distantes do modelo de referência, isto é, o Europeu.
Classificações para as formas religiosas, como a cronológica, por exemplo, utilizam uma divisão em quatro grupos: Panteístas, Monoteístas, Politeístas e Ateístas. A classificação cronológica aqui citada é sugerida por VALÉRIO em Religião. Em busca da transcendência. O primeiro grupo remontaria à Pré-história. Estavam presentes em povos silvícolas das Américas, África e Oceania. A mitologia era transmitida pela oralidade. Deus era considerado o próprio mundo. Acreditava-se em espíritos e reencarnação, cultuavam os antepassados. Havia harmonia com a natureza, e o mundo era tido como eterno. Já, os monoteístas, surgiriam no último milênio antes de Cristo e indo até a Idade Média. Crença transmitida a partir de livros sagrados. Relação paternal entre o criador e as criaturas. Há um Messias e acreditava-se num evento renovador no final dos tempos. Para os politeístas diversos deuses criavam e destruíam o mundo. As histórias dos deuses se assemelhavam a dramas humanos. Existem diferentes registros literários sobre sua mitologia. Sociedades agráfas possuem tradições icônicas elaboradas. Surgido no século V depois de Cristo, os ateístas produziram seus textos com conteúdo filosófico, sem força dogmática. Acreditam na possibilidade da evolução espiritual a partir de um trabalho intimo.
Tal classificação é evolucionista e generalista, não considera as religiões africanas ou indígenas, o que pode significar desconhecimento destas formas religiosas ou um tipo de preconceito e discriminação em relação a tais manifestações.
Segundo Bastide(p.10), Deus não é mais que a imagem do capitalismo irracional. Daí, ser psicológica e sociológica a explicação definitiva da religião. Análises sociológicas procuraram explicar as religiões cujo sentido nasceria do esforço do trabalho humano em face à natureza ou contradições de um regime econômico. A área da psicologia considerou os reveses da vida ou suas contradições como fatores que agiriam em relação ao medo anti o irracional e controlável pelo homem.
A presença religiosa se dá de diferentes formas e não sempre pelo medo ou pela força, paz ou alegria, mas em diversas relações, que se dão de maneira ideológica, formando-se no sentido mais tradicional de ‘deformação inconsciente’, atuando nas infra-estruturas econômicas. (BASTIDE, p. 11).
As concepções religiosas interagem com os meios sociais onde foram gestadas, contudo, são vivas, não estáticas, podendo ser inúmeras em uma mesma sociedade, portanto, uma religião também expressa uma estrutura em seu dinamismo e as tendências de um contexto particular. São a comunhão e a expressão própria do vínculo entre o profano e o sagrado, está presente no social, o que não quer dizer que seja o social o “criador” da religião.
Portanto, faz-se necessário, ainda, levar em consideração que o conteúdo cultural exerce influência manifesta sobre as formas de organização social, por exemplo, o conteúdo da fé, protestante ou católica, que influi na organização adotada pelas igrejas. No entanto, não se pode deduzir que do conteúdo ou dos valores religiosos surgem as relações reais dos homens em sociedade.
Sociologicamente, as religiões são da ordem da cultura, portanto conhecimento adquirido, aprendido, transmitido e, assim, são condicionadas pelas relações existentes entre os homens em seus grupos sociais, de acordo com interesses dominantes, políticos, econômicos e biológicos. Estes fatores podem excluir certas posições possíveis da lógica espiritual, favorecê-las ou selecioná-las. Desta forma, a etnia ou a especificidade da matriz cultural, podem favorecer crenças, valores, ritos como formas comunitárias ou familiares de manifestação, não apenas em relação à religião, mas, também, a partir de suas representações plásticas, demonstradas, por exemplo, nos álbuns de Tintin(personagem das Histórias em Quadrinhos, criado na Bélgica, em 1929), em que
[...] a construção da face, a fisionomia dos habitantes nativos, a postura do corpo, o cenário e principalmente a relação entre os dois mundos, levam o leitor a concluir que um modelo de tipo humano, o branco europeu belga, é superior ao outro, o negro africano congolês. (SOUZA et al.., 2005, p.18/20)
Considerando que as relações entre os homens não são da mesma natureza que as relações entre os objetos, uma religião deve ser observada segundo a estrutura social da qual faz parte. E, também, na variabilidade possível, ou seja, há dinamismo para a expressão de seus símbolos, das relações entre os gêneros, grupos de idade, os religiosos que interpretam sentidos.

As religiões africanas e o Brasil
O caso das religiões africanas no Brasil oferece uma gama de modelos, valores, ideais ou idéias, uma rica simbologia segundo certa visão mística do mundo em correlação com o universo mítico e ritualístico. Estudar este suporte cultural, seus sentidos explícitos ou implícitos, ainda associado ao do grupo que dela participa é compreendê-las como fenômenos sociais.
As populações negras trazidas ao Brasil pertenciam a diferentes civilizações e provinham das mais variadas regiões africanas. Suas religiões eram partes de estruturas familiares, organizadas socialmente ou ecologicamente à meios biogeográficos. Com o tráfico negreiro, sentiram-se obrigadas a decifrar um novo tipo de sociedade, baseada na família patriarcal, latifundiária e em regime de castas étnicas (sistemas tradicionais, hereditários ou sociais de estratificação, baseados em classificações como raça, cultura, ocupação profissional. O termo também é usado para designar “cor”).
Durante o longo período de escravidão, mais de trezentos anos, ocorreram mudanças na economia brasileira, estrutura social rural ou urbana, nos processos de miscigenação. Com o advento da República, as religiões africanas sofrem o impacto da modificação na estrutura demográfica, bem como novas estratificações sociais
[...] uma vez que o negro seja camponês, artesão, proletário, ou constitua uma espécie de subproletariado, sua religião se apresentará diversamente ou exprimirá posições diversas, condições de vida e quadros sociais não identificáveis. (BASTIDE, 1989, P. 31).
Há de se compreender as relações de poder entre instituições por todo esse período de formação da sociedade. No aspecto religioso, ser europeu, católico, recebia um status diferente de qualquer matriz africana. As representações simbólicas do cristianismo, os valores morais eram mais aceitos, constituíam a oficialidade e eram associados à nacionalidade que também se firmava. Os descendentes de africanos, sobretudo as gerações nascidas no Brasil habilmente, construíram estratégias para as religiões de matriz africana criando aparentes sincretismos religiosos entre os deuses africanos e os santos católicos. Nesse sentido, produziram um fator de ajustamento do indivíduo à sociedade. O candomblé baiano, por exemplo, conservou muito do panteão mítico africano na religião que chamou de candomblé. Porém, a forma como existe no país não existe na África. Foi uma religião concebida no novo país. Este é o caráter de vitalidade das religiões, que é viva e passou por um longo processo de aculturação e transformação, que em alguns casos se converte em ideologia, mas nem sempre.
Para compreender a religiosidade afro-brasileira há que se considerar a escravidão, o trabalho artesanal dos libertos, quadros sociais como estrutura familiar, organização política, corporativa, religiosa e os aspectos geográficos, demográficos, políticos, econômicos e sociais em seus diferentes níveis. Todas essas inter-relações revelam a complexidade dos temas que envolvem origens religiosas, sobretudo, os africanos, neste país.

 
REFERÊNCIAS:
AUGUSTO, Jordan. Todos os caminhos são importantes. Sociedade Brasileira de Bugei. http://www.bugei.com.br/ensaios/index.asp?show=ensaio&id=312
BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas No Brasil. Contribuição A Uma Sociologia Das Interpenetrações De Civilizações. 3ª edição. Livraria Pioneira Editora. São Paulo. 1989.
SOUZA, Andréa Lisboa de; SOUZA, Ana Lucia Silva; LIMA, Heloisa Pires; SILVA, Marcia. De olho na cultura: pontos de vista afro-brasileiros. UFBA- Centro de Estudos Afro-Orientais. Brasilia: Fundação Palmares. 2005.
http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/de%20olho%20na%20cultura_cap01.pdf
http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/de%20olho%20na%20cultura_cap04.pdf
ou : http://www.ceao.ufba.br/2007/livrosvideos.php para o dowload da obra toda
VALÉRIO, Marcos. Religião. Em busca da transcendência. In: http://www.xr.pro.br/Religiao.html – acesso em 02/08/2007



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