quinta-feira, 29 de outubro de 2009

"...EROTISMO, ARTE E FILOSOFIA..."




Herbert Marcuse em suas obras faz referência a dissonância entre o mundo da arte e o mundo da vida, a estética que envolve a imaginação e a criatividade que se realiza no prazer e que está em constante conflito com o mundo real.  Em “Eros e civilização” (Marcuse,1999) e em ”O homem unidimensional” (Marcuse,1979) , faz referência à sociedade erótica, numa dinâmica dialética entre o “EU” e o mundo, realizando uma crítica à sociedade fundamentada no modo de vida burguês, que busca prazer na irracionalidade do consumo, nas aparências que tornam o homem vazio de si mesmo e, busca fora de suas potencialidades humanas e artísticas, bens materiais e prazeres instantâneos, que se “diluem no ar”, rápidos e efêmeros. O homem em vez de se voltar a EROS enquanto razão vive o mundo “fantasiado” de real. (Marcuse, 1999)
Critica a dês-razão ocidental, poder ilusório de felicidade e liberdade que aniquila a libido e o erotismo, tornando o erotismo um perigo. Segundo Marcuse (1960) seria necessário atingir uma forma de vida que eliminasse a oposição entre o espírito e a sensualidade, a arte e a vida, a existência artística e o mundo ao redor. Para este autor, o desejo seria a realização da existência em harmonia com a subjetividade artística e o mundo exterior, a forma e a realidade, o sujeito e o objeto. A civilização separou a arte da vida, e somente reunindo os dois será possível, a felicidade e a liberdade.
O preço da transcendência das obras de arte é a alienação do artista, o artista cria a vida e se aliena da vida, das formas estéticas, de um mundo poeticamente organizado, no sentido de ordenar a vida à felicidade, a uma existência feliz, o equilíbrio entre arte e sociedade. Sujeito e objeto fazem parte da tradução abstrata da vida, a criação artística é o significado do próprio conteúdo da vida. O erotismo envolve olhares, receios, sacramenta a forma que acolhe, ultrapassa, e recepciona o lirismo poético, o “épico”.
Para que o sujeito consiga dar forma ao significado, deve encontrar em si as palavras que emanam esse significado, dando sentido a obra de arte. Só o sujeito estético transcende à harmonia perdida, por intermédio de uma autonomia consciente, o artista se serve das fantasias como instrumentos que propicia a voz a sua própria exegese do sentido do mundo. As fantasias poéticas se apresentam como sagradas e as relações entre obra e sociedade e a atitude do escritor diante delas conferem a obra de arte poética sua forma plástica, a criação do objeto pelo artista torna-o um “deus”, porém não numa totalidade efetiva, são os objetos do real que lhe conferem a estrutura de “épico”, são eles que dão sentido a obra, que ele a tornou sua. A sua subjetividade circula dentro dos limites estéticos, o artista busca a estética, assim a arte então se torna autônoma diante de uma totalidade.(Marcuse, 1968)
O artista e sua arte perseguem o êxtase e a liberdade, Às vezes, as obras são recebidas com ternura, outras com temor e desprezo, há os que consideram-nos inteligentes, revolucionários, opositores do sistema. O lirismo poético é repleto de versos que celebram as belezas, os prazeres, as alegrias, o gozo da liberdade e o caráter errante “On the road”.
Segundo Marcuse (1979), os artistas autoconscientes, se opõem à sociedade como necessidade artística, a dignidade está em seu espírito livre, na negação da ideologia burguesa. A filosofia encontra na subjetividade artística, valores que não encontram um lugar no mundo da vida mundana, estes valores são preservados esteticamente por pensadores, poetas, escritores, revolucionários que se juntam em seus ideais. O artista é um “outsider” e os movimentos literários potencialmente libertários, emergem numa "nova sensibilidade" capaz de moldar esteticamente as coordenadas simbólicas que organizam o chamado mundo real, essa é a emergência do desejo de libertar à subjetividade das correntes do racionalismo burguês.
A arte apresenta um mundo de sonhos, fantasias em perfeita harmonia, unidade e beleza, sendo necessário uma reestruturação radical das formas de vida, a obra de arte e o artista devem ser libertos em sua subjetividade. A captura do belo no real deve ser um caminho para a resolução do absoluto desencantamento do mundo. (Marcuse, 1960).
A originalidade de Herbert Marcuse está na significação social e histórica, ao aplicar aos gêneros estéticos a crítica à ideologia burguesa e sua abordagem literária através da estética e da filosofia política, delineando um pensamento reflexivo sobre o intelectual e o artístico, inseparáveis de sua obra. Como filósofo foi um dos expoentes da contracultura dos anos 60-70, do século XX, por unir a estética nas reflexões filosóficas, revela alegria e beleza, sensualidade, erotismo, paixões, sentimentos, sentidos, e revela que somente pela profunda crítica aos valores irracionalistas é que poderemos resgatar a estética.
Bataille (2007) fala da nudez na sua essência, enquanto um símbolo erótico dual, expressa a contradição inerente a sua essência sacro-profana, numa amalgama, é o símbolo que se reveste de poros, peles e “segundas peles” que exibem enquanto objeto de desejo, todas as sutilezas simbólicas intrínsecas nessa relação dual erótica. “Conhecemos todos a nudez. Mas é preciso perdê-la de vista se quisermos reencontrá-la. Eis a mola desse erotismo”. (Bataille, 2007). Para Barthes, 1989 esse jogo da sedução é por si mesmo apaixonante, uma vez que “os valores eróticos crescem nos contrates”. “O sujeito coloca (...) a satisfação plena do desejo dessa relação do Bem Supremo, a dar e receber”. (Barthes, 1989, p 192).
Bataille (2007) diz que a lei existe para que seja violada, os limites devem ser transgredidos, não existe transformação sem violência, sem rupturas e toda ruptura é extremamente lúcida, saudável, e a literatura e as artes, são formas de lhe dar vazão; loucura e lucidez, são lados da mesma moeda, indissolúveis. O erotismo faz do homem um ser humano, e nisso nada existe de animalesco. É necessário haver repressão para que haja superação, o erotismo depende do proibido, do ser pecado e sagrado e nasce desse sentimento de violação, de profanação de seu objeto, o gozo é a convulsão que representa o seu êxtase. Vida e morte, dor e êxtase comunicam-se em angústia numa estética que perpassa o sujeito em sua ambivalência, é repleta de sentidos.
O erotismo é a palavra colocada em ação, alimenta, consagra o perder-se no outro, a morrer no outro se refazendo em vida. Bataille (2007) diz: "somente a nudez tem o sentido da morte". Estar envolvido numa atmosfera erótica é estar-se envolto numa sensação entre o lado animal, bestial e o lado divino, possuir alguém a quem se deseja é ser possuído pela porção divina em que o próprio deseja, a agonia do desejo, a volúpia é o horror, é o lado negro, endiabrado.
Georges Bataille e Michel Foucault estavam preocupados com a desconstrução da idéia moderna de razão em torno das totalidades fixas de saber e verdade. Porém entre eles existiam diferenças significativas. Foucault (1978) investiga a história da sexualidade e Bataille (2007) propõe interrogar a essência do erotismo – entre a “produção do sexo” e a “experiência interior do prazer” abre-se um intervalo sem comunicação. Importa, pois, notar que não há passagem possível de uma concepção a outra, Bataille aponta para “interioridade” que porta o segredo do sujeito. Foucault parece deparar tão somente com um “vazio”, a ser ocupado pelas formas históricas e sociais do existir humano.
Foucault salienta que a loucura está em:...”Aceitar o erro como verdade, a mentira como realidade, a violência e a feiúra como beleza e como justiça, este espetáculo é insano, são brilhos instantâneos das aparências, do confisco da ética”.
A sociedade burguesa construiu a imagem de uma certa existência de desatino como desordem que deve ser castigado, o “iluminado”, os “visionários”, os “imbecis”, os “dóceis”, os “revoltosos”, os “extravagantes”, os “criminosos” são libertinos: “... Todos os libertinos, protestantes, ou inventores de qualquer outro sistema novo, devem ser colocados sob o mesmo regime e tratados do mesmo modo, nuns e noutros a recusa a verdade deriva do mesmo abandono moral” (Foucault, p.118)
Aos artistas  fica a incumbência de salvar este mundo , este vasto mundo louco, que profana a sensibilidade, que viola a sensualidade, que esconde desejos sublimes em nome de uma falsa moral que vigia e pune o prazer sexual que anda de mãos dadas com o sujeito capital.

Bibliografia Consultada:

BARTHES, Roland, Fragmentos De Um Discurso Amoroso, Trad. Santos, H., Rio de Janeiro: Brasil: F. Alves, 1989.

BATAILLE, G. http://pt.wikipedia.org/wiki/Georges_Bataille  Categoria: Filósofos da França .(26/01/2007) Versão atualizada de publicação original na revista Cult # 30. Pesquisa em16 de fevereiro de 2007.

FOUCAULT, Michel, História Da Loucura, Ed. Perspectiva, São Paulo, Brasil, 1978.

MARCUSE, Herbert, Eros E Civilização – Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud: Rio de janeiro: Brasil: Zahar Editores, 1999.

MARCUSE, Herbert, A Ideologia da Sociedade Industrial – O Homem Unidimensional. Rio de Janeiro: Brasil: Zahar, 1979.

MARCUSE, Herbert, Razão e Revolução: Hegel e o surgimento da teoria social, New York, Oxford University Press, 1960.

MARCUSE, Herbert, Materialismo Histórico e Existência: Contribuições para a compreensão de uma fenomenologia do materialismo histórico; Novas fontes para a fundamentação do materialismo histórico.  In: Tempo Brasileiro 1968.

Artigo retirado de http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/426006



Rodin.


 erótica é a alma”! 

Adélia Prado


 "Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.Porque corpos se entendem; as almas, nem sempre”.


 Manuel Bandeira




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