domingo, 27 de março de 2011

material - Direitos Humanos (filosofia política)

No curso para professores "Redefor", foi disponibilizado um material e links muito interessantes para o conhecimento não só de professores de Filosofia ou Sociologia, mas para todos que fazem parte desta sociedade "humana"...

Segue:


Tema 4. Violência e Disciplina na Atualidade
• 4.1. Contexto • 4.2. Breve introdução histórica  • 4.3. Hannah Arendt  • 4.4. Michel Foucault 4.  Violência e Disciplina na Atualidade 


4.1. Contexto
A violência é um tema que grita em nosso cotidiano de nosso grande e poderoso Brasil. Vemos a violência privada de assassinatos, latrocínios, estupros, e a violência pública dos agentes da lei contra infratores e inocentes, eventualmente com o recurso da tortura, para combater o crime e também contra grevistas e manifestantes para garantir a ordem cívica. Muitas vezes vemos as pessoas defenderem a violência e criticarem os direitos humanos, não percebem que legitimam uma espiral em todos saem perdendo, todos ficam prejudicados, pois só é possível defender-se da violência por meio da violência. A recusa do diálogo, a rejeição da palavra, fundar a autoridade na força e não no consentimento são formas de dar razão àquele que não pôde falar, de reconhecer a validade do raciocínio que não pôde ser exposto, pois usamos a força se perdemos a razão. O filho que apanha aprende a bater; da mesma forma o criminoso que apanha da polícia bate na vítima. A regra pela qual quem abusa da força está errado sempre funciona: se a polícia bate em manifestantes ou grevistas, então os manifestantes estão certos. É natural defendermos o lado mais fraco, oferecemos solidariedade porque precisamos de solidariedade quando não somos os mais fortes. É honroso ajudar os mais fracos. Segundo Locke, o pai do liberalismo, que defende a propriedade, a riqueza e o luxo, os ricos devem ajudar os pobres. Segundo Marx, por sua vez, todas as violências que conhecemos são resultado direto ou indireto da luta-de-classes, do conflito entre a classe dominante (a burguesia) e a classe dominada (a pequeno-burguesia, o proletariado e o lumpen-proletariado). Em geral, os filósofos recusam a violência, exceto que se justifique filosoficamente, como é o caso da “guerra justa”, da “revolução” e do combate ao crime.
A explosão da violência civilizada (pois contraditoriamente promovida pelos países mais ricos, melhor educados e mais cultos) no século XX, com duas guerras mundiais, guerras étnicas, genocídios, a bomba atômica e bombas químicas levaram os Estados mais poderosos a  organizarem a Liga das Nações em 1919, após a Primeira Grande Guerra,  e a Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, após a Segunda Grande Guerra, e a declararem uma nova Declaração dos Direitos Humanos.
O site oficial da ONU é (em inglês): http://www.un.org/
O site da ONU no Brasil é: http://www.onu-brasil.org.br/index.php
A importância mundial desta Declaração é não apenas filosófica, mas sustenta decisões soberanas de muitos países, por exemplo ao conceder asilo aos brasileiros que lutaram contra a ditadura militar e ao apoiar a condenação de militares que aterrorizaram seus inimigos políticos na ditadura, como o ex-presidente chileno general Augusto Pinochet.
Há um site específico da ONU apenas para os direitos humanos (em inglês) onde se informam os 379 idiomas nos quais a Declaração já foi traduzida:
E a tradução para nossa língua pátria:
Ou no site do Ministério da Justiça do Brasil: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm

Podemos afirmar que a defesa dos direitos humanos é um dos principais objetivos da ONU, pois a ONU não tem (nem pode ter) poder de polícia sobre os países membros. É um órgão onde ocorrem discussões políticas e diplomáticas, muitas convenções e Declarações de Direitos são debatidos e propostos, mas os interesses de cada Estado são soberanos. Somente quando há um grande consenso entre os países membros é que criminosos de guerra, como por exemplo alguns dos carrascos nazistas dos campos de concentração (holocausto judeu de 1939-1943) e dos genocidas da Iugoslávia (1992-1995), puderam ser julgados e iniciaram o cumprimento da pena. Outros massacres, contudo, como o de nossos irmãos lusofones do Timor Leste entre 1975 e 1999, ou de nossos irmãos latino-americanos da Praça Tlatelolco, Cidade do México em 2 de dezembro de 1968, permanecem impunes.
Sobre a Segunda Guerra Mundial, há dois documentários bastante fortes que nos mostram a experiência limite de indignidade que precisa ser reiteradamente refletida pela filosofia, um grito humano de “nunca mais”:
1- “Noite e neblina”. Direção: Alain Resnais. França, 1955.
2- Documentários dos campos de concentração. Produção: Alfred Hitchcock. Inglaterra, 1945. Este pode ser visto em: http://www.holocaust-history.org/multimedia/liberation/
Outro aspecto importante da ONU para a filosofia é a cultura, para a qual foi criada a Unesco (sigla que significa Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
O site da Unesco é (em inglês): http://www.unesco.org/new/en/unesco/
O site da Unesco no Brasil é: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/
É preciso observar que os direitos humanos são uma política de Estado prevista na Constituição-cidadã de 1988:  
Artigo primeiro: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Artigo quarto: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV – não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Ressaltamos o liberalismo político (livre-iniciativa e pluralismo), a rejeição da violência e a defesa da dignidade.
O Brasil tem ainda uma Secretaria Nacional de Direitos Humanos criada em 1997: http://www.direitoshumanos.gov.br/sobre
http://www.sedh.gov.br/
Estamos já em seu terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos para o quinquênio 2009-2013.
http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/index.html



Para nós, professores de Filosofia no nível médio, é importante conhecer também o Observatório Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:
Em nível estadual há a Secretaria da Justiça e da Cidadania:
E há ainda um site totalmente dedicado aos Direitos Humanos com muitas informações: http://www.dhnet.org.br/
Neste site há a versão eletrônica do importante livro “Brasil Nunca Mais”: http://www.dhnet.org.br/memoria/nuncamais/index.htm
E a campanha de “Direito à memória e à verdade”: http://www.dhnet.org.br/dados/campanhas/memoria/index.html
          Os novos artigos da Declaração dos Direitos Humanos de 1948 retomam muitos das Declarações francesas de 1789-1791-1793, mas retira a propriedade como direito natural, recusa decididamente a escravidão e a tortura e retira a importância anteriormente dada à legalidade. De fato, muitos crimes de Estado foram feitos em nome das leis, embora contra a humanidade.
         A violência escandalizou não apenas os filósofos e intelectuais, mas sobretudo as pessoas de bem, como o ódio pode obnubilar a visão de todo um povo, será que tanto avanço técnico não pode contribuir para a justiça? Um dos ensaios de filosofia mais importantes do século XX é Dialética do esclarecimento, de Theodor Adorno e Max Horkheimer, publicado m 1946, onde a hipótese de que houve uma mistificação da filosofia e da educação e por isso o conhecimento se tornou meramente instrumental, perdeu seu papel libertador. Na mesma tradição, Jürgen Habermas se preocupa com o problema do direito, com a limitação do poder político e do poder financeiro, mencionamos especialmente Direito e democracia de 1991. 

4.2. Breve introdução histórica
A Revolução Francesa ensinou aos povos uma maneira decisiva de mudar o poder político e derrubar o governo vigente, para o bem ou para o mal: a revolução. De fato, a sombra da revolução popular passou desde então a apavorar as elites e a orientar todas as suas ações, já que nem mesmo a religião oferecia – como antes – freio aos anseios do povo. Para conter a violência da revolução, não foi difícil escolher a violência da contra-revolução e da guerra, a todo custo, para contentar e delimitar os movimentos sociais. Grotius, que no século XVII propusera o direito natural para restringir a violência das guerras religiosas, para justificar a escravidão e a colonização e para defender o progresso e a paz no comércio internacional, não podia imaginar o grau de violência que o progresso técnico e o conflito de interesses comerciais causariam três séculos depois. Os direitos humanos serviram antes para que os homens reconhecessem os excessos da violência do que propriamente para reduzir a violência e estabelecer canais aceitáveis de diálogo político.
A França em particular e a Europa em geral atravessaram os séculos XIX e XX em meio a revoluções e guerras. Em Paris, houve levantes populares em 1830, de 1848 e 1871, e depois a Primeira e Segunda Guerra Mundial. Após a Segunda Grande Guerra, de 1939-1943, a guerra-fria na Europa, que por sua vez foi bastante quente nos países periféricos (por exemplo, a guerra do Vietnam, as ditaduras militares na América do Sul). Com o
fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1989, o foco de tensões circunda a produção petrolífera no Oriente Médio e a expansão do domínio da tecnologia nuclear de uso militar. Em suma, ao mesmo tempo que o progresso técnico e industrial melhorou a vida cotidiana e a condição de trabalho das pessoas, os métodos de dominação, opressão e controle também se aperfeiçoaram. Numa palavra, violência.
Um quadro famoso que exprime a violência social na primeira metade do século XX na Europa é “Guernica”, de Picasso, quadro que veio ao Brasil na Segunda Bienal de Arte de São Paulo de 1953. Este quadro

retrata o massacre da resistência republicana no povoado de Guernica em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola (1933-1937), pelo general monarquista Francisco Franco com aviões alemães e indiferença soviética (devido ao pacto de não-agressão Hitler-Stalin de 1933), para desespero dos socialistas e anarquistas espanhóis e da força internacional que lá estava em luta pelo socialismo e pela justiça social.
           Veremos a seguir dois aspectos da violência: contra o povo, no caso do totalitarismo, segundo Hannah Arendt; e contra a pessoa, na sociedade disciplinar, segundo Michel Foucault.

4.3. Hannah Arendt
O termo “totalitarismo” era usado pelos fascistas de forma elogiosa. Coube a Hannah Arendt (1906-1975), judia alemã radicada nos EUA, descreveu o nazi-fascismo e o stalinismo caracterizando-os como totalitários em Origens do totalitarismo, de 1951. Trata-se de uma forma de domínio que se apropria ao mesmo tempo do individualismo moderno e da alienação das tiranias antigas. O Estado totalitário impede o homem de ter relações privadas livres e fora de controle público, priva-o assim de seu próprio “eu”, e ainda destrói os meios de organização política alternativa ao poder estabelecido, já que autoriza apenas um único partido político. Há assim uma elite dirigente vinculada ao partido que controla o Estado e o acesso ao partido e que proíbe qualquer conduta ou expressão desviante, recorre à violência para controlar os “corpos e as mentes”. Constitui um mundo fictício internamente coerente sustentado pelo terror psicológico e perseguição política. Ora, o interessante é que Hannah Arendt qualifica de totalitário tanto a direita quanto a esquerda, tanto o nazi-fascismo (que exterminou milhões de pessoas em campos de concentração) quanto o comunismo stalinista (que promovera expurgos e assassinatos). Angariou assim adversários de todos os lados. Alguns anos depois, após a morte de Stalin, seu sucessor, Nikita Kruchev, denuncia seus crimes e a filosofia política da pensadora alemã ganha grande importância teórica. O que nos chama atenção é a perfeita integração de seu pensamento com a doutrina dos direitos humanos da ONU.
Hannah Arendt escreve um livro intitulado “Sobre a violência” em 1969, onde apresenta a mais completa reflexão sobre o papel da violência na política ou no controle das pessoas. Trata-se especialmente de uma reflexão franca e aberta sobre os movimentos estudantis de 1968 (“a rebelião estudantil é global”) e os ideais revolucionários que defendiam a violência como uma forma de superar as injustiças sociais do capitalismo no quadro da guerra-fria. Ela procura mostrar que a violência e o poder se excluem mutuamente, pois o poder reune por meio do consentimento e a violência desagrega devido ao ressentimento: “A forma extrema do poder é o todos contra um, e a forma extrema da violência é o um contra todos”. Diz que a violência é instrumental e que para os poderosos é uma tentação recorrer à violência para continuar no poder, contudo o resultado é a impotência. Contra Hegel e Marx, diz que “a violência pode destruir o poder, mas é incapaz de criá-lo”. Não considera que o mal possa ser a manifestação temporária de um bem oculto, essa é uma das características da negação dialética hegeliana, da qual Hannah Arendt discorda.
Uma das implicações de seu pensamento é a política da não-violência de Mahatma Gandhi. Ela mostra bem que, conforme o contexto político, a desobediência civil pode ser tratada como uma doença a ser extirpada, ou seja, com enorme violência, com a brutalidade e o massacre; ou simplesmente pode alcançar seus objetivos. Depende da disposição de quem ocupa o poder e de como este poder se organiza. Estas análises nos permitem reconhecer, para nós brasileiros, um aspecto precário de nossa elite nos anos 60 e 70, que optou pelo terror para calar as críticas. Não ousou repetir a mesma solução por ocasião dos “cara-pintadas” que derrubaram o presidente Collor, fato que introduziu a política brasileira num ciclo virtuoso, ou seja, qualitativamente superior. Segundo a filósofa alemã, “exigir o impossível a fim de obter o possível nem sempre é contraproducente”. De fato, a ameaçada revolução (e da violência) pode angariar algumas boas reformas. Notemos assim que uma política de Estado que respeite os direitos humanos introduz uma nova forma de lidar com os conflitos políticos ao longo da história. Ora, se nos é permitido ainda uma digressão brasileira, observamos ainda importantes focos de violência em nossa sociedade, é assim preciso restabelecer o poder onde ele está ausente. Qual poder? Aquele que prescinde de violência.



4.4. Michel Foucault
O maior filósofo do século XX é um anti-filósofo. Esta provocação é uma forma de mostrar que Michel Foucault (1926-1984) virou a filosofia e as ciências humanas do avesso. Mostrou que a história não podia pressupor a continuidade que lhe dava sentido, que os conceitos clássicos de “soberania”, “instituição”, “governo”,
“liberdade” para pensar o poder deixam escapar o principal que é a interiorização das ordens, que a psiquiatria cria as doenças que diz curar e que vale o mesmo para toda a medicina; que a justiça não cuida do justo mas disciplina os corpos, que a classe é uma questão de raça, que o governo administra o interior da vida e não a liberdade – enfim, todo o saber não é mais do que a criação de um discurso que internaliza uma forma de vida. Tudo funciona como se aqueles direitos humanos que pareciam libertar o homem da opressão, na verdade disciplinam e submetem a vida e os corpos a certas práticas. O direito que liberta na verdade controla. Ademais, a verdade nada mais é que uma forma de poder sobre os corpos, uma legislação sobre a intimidade. Muito bem, nossas ciências           humanas nos trouxeram até aqui, mas o que efetivamente somos? Foucault mostra que as respostas disponíveis são todas falseadoras.
Em A história da loucura, Foucault mostra como a loucura foi aos poucos qualificada como doença, inicialmente associada à lepra e ao isolamento, depois ao internamento em instituições psiquiátricas. Este procedimento é emblemático para constituição do discurso das ciências humanas. Trata-se de um discurso de poder constituído a partir dos micropoderes, a partir da realidade concreta nas relações pessoais. O modelo da soberania cria uma realidade abstrata transcendente distante da motivação real das práticas pessoais, da concretude que disciplina os corpos. As formas jurídicas se constituem para criar estes micropoderes, a vocação transcendente articula a racionalidade da disciplina, mas o real é a prática concreta. O tema principal para Foucault é o sujeito, o indivíduo, o poder da classe, da instituição, do soberano só contam em sua concretude disciplinar, para a biopolítica, política da vida e dos corpos. A violência assim é vista como a consequência necessária e a ameaça contínua da micropolítica, apenas a continuação da disciplina, eventualmente até mesmo sua condição, como se vê em Vigiar e punir.
Pretendemos aqui apresentar brevemente duas perspectivas de reflexão filosófica sobre o poder a partir da violência e que tem impacto sobre a compreensão dos direitos humanos. Apenas um mote para entrarmos na filosofia levando em consideração nossa vida contemporânea.

  Bibliografia 
              ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2010.
              FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo, Loyola, 1996.
              ----------. Em defesa da sociedade.  São Paulo, Martins-Fontes, 2000.
              ----------. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1996.
              RIBEIRO, Renato Janine. Recordar Foucault. São Paulo, Brasiliense, 1985.
              SAFATLE, Vladimir & TELES, Edson. O que resta da ditadura. São Paulo, Boitempo, 2010.



fonte:
Curso de Especialização: Filosofia
Módulo II  / Disciplina 04- Disciplina: Filosofia Política
Autor: Ricardo Monteagudo

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