quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A serpente, desde seu ovo (no Tijolaço)


Outro  dia, a Ministra Eliane Calmon disse, a propósito dos escândalos no  Judiciário, que “todo mundo vê a serpente nascendo pela transparência do  ovo,  mas ninguém acredita que uma serpente está nascendo”.
Talvez seja a mais precisa definição para aqueilo que, há exatas 20  anos, pregava no deserto um cidadão que tinha a coragem, que vai  faltando cada vez mais neste país, de enfrentar o monopólio avassalador  (de vontades, inclusive) representado pela Rede Globo.
Este indescritível episódio do “BBB”, no qual rasteja na lama a maior  emissora de televisão brasileira, que repercute pelo mundo  vergonhosamente e, pior, corroi-nos as estranhas a todos os que  acreditamos no respeito e na dignidade  como essência relações humanas, é  apenas um estágio – quais serão os próximos? – de uma jornada para a  barbárie, infelizmente consentida por parte de nossa inteligência, por  medo, cumplicidade ou simples covardia ante o poder.
O ovo desta serpente, há exatos 20 anos, era transparente.  E houve  quem lhe apontasse a natureza sibilante, peçonhenta, deformante, mortal  para uma sociedade que pretende ser humana.
Por isso, e com a inestimável ajuda do Ápio Gomes – guardião  invencível dos textos publicados por Leonel Brizola – republico um de  seus textos sobre o  tema.
O ovo da serpente
A violência que todos vêem e poucos percebem
Durante uma semana – de 5 a 11 de janeiro de 1992 – uma equipe de  pesquisadores acompanhou toda a programação da Rede Globo. Foram  examinados meticulosamente 77 programas, entre filmes, seriados,  novelas, humorísticos, variedades, noticiários e infantis. Os  pesquisadores permaneceram 114 horas e 33 minutos diante da televisão.  Da totalização final, foram excluídos os programas jornalísticos para  separar o que é noticiário da programação escolhida deliberadamente pela  própria emissora.
 O que estes pesquisadores encontraram foi uma verdadeira escola do  crime e da violência. Naquela semana, a Globo exibiu 244 homicídios  tentados ou consumados, 397 agressões, 190 ameaças, 11 seqüestros, 5  crimes sexuais com violência ou ameaça, 26 crimes sexuais de sedução, 60  casos de condução de veículos com perigo para terceiros ou sob efeito  de drogas, 12 casos de tráfico ou uso de drogas, 50 de formação de  quadrilhas, 14 rou bos, 11 furtos, 5 estelionatos, e mais 137 outros,  entre os quais: tortura (12), corrupção (4), crimes ambientais (3),  apologia ao crime (2) e até mesmo suicídios (3).
 E não se diga que isto é veiculado nos chamados programas para  adultos. A programação infantil é repleta de imagens de violência,  inclusive em desenhos animados, com 58 cenas diárias de violência.  Projetando tal constatação, verifica-se que anualmente a Rede Globo  propicia às crianças brasileiras a visão de 21.222 cenas de violência.  Se considerarmos que a média diária geral da programação é de 166 cenas  de violência, chegaremos à conclusão de que a programação infantil detém  34,9% da violência diária transmitida pela TV Globo.
 Para os espectadores de novelas estão reservadas 150 cenas de crimes  por semana (média diária de 21,4). Já os apreciadores de seriados têm à  disposição 79 crimes semanais (média diária de 11,2). E quem aco mpanha a  programação humorística e de variedades vai se deparar com 74 episódios  violentos, principalmente agressões (média diária de 10,5).
 Os documentos comprobatórios desta pesquisa encontram-se em poder do  Dr. Nilo Batista, Secretário de Justiça do Estado, à disposição de quem  desejar consultá-los. Estes números estarrecedores nos permitem  questionar a autoridade moral da Globo, tevê e rádio, e do jornal O  Globo e o papel destrutivo que vêm desempenhando. Já chamei a atenção de  meus compatriotas para a instigante coincidência entre o crescimento  das Organizações Globo e o crescimento da violência em nosso País. Esta  pesquisa revela que não se trata de mera coincidência. Estudos  criminológicos – os mais respeitados – advertem para as conseqüências da  exposição de cenas de violência às crianças e às pessoas ainda  imaturas. As Organizações Globo, quanto a este aspecto, representam uma  autêntica e verdad eira escola do crime, reproduzindo e estimulando a  cultura da violência, que encontra campo fértil numa sociedade  fortemente marcada pela injustiça, pela pobreza e pelo atraso.
 A Globo, que comete contra nossas crianças e jovens este crime – que  países como os europeus de nenhuma forma admitiriam –, é a mesma que  utiliza seus maiores e melhores espaços para destruir um programa  educacional como o dos Cieps e dos Ciacs. Minha mensagem aos pais e avós  é que defendam seus filhos e netos como puderem, enquanto combatemos –  como o pequeno Davi diante de Golias – essa hidra gigantesca, diante da  qual tantos se omitem ou, pior ainda, se intimidam e se curvam,  submissos.
(Leonel Brizola, 19 de janeiro de 1992, no Jornal do Brasil)


Um comentário:

Lizandra disse...

Todos vêem mas não enxergam...